terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Arqueopalinologia (2)

Não resisto a deixar aqui mais uma mensagem cerca deste tema. Trata-se de uma citação da monografia do extinto CIPA onde foram realizadas experiências nesta área (o realce da primeira frase é meu):

"Paradoxalmente, o maior problema da palinologia de solos “secos” é que há sempre pólen! Mesmo em quantidades ínfimas, com os métodos de hiperconcentração desenvolvidos pela escola francesa da “palinologia arqueológica”, é sempre possível obter uma concentração polínica. O problema é saber que pólen estamos a observar — contaminação moderna?; pólen mais antigo que o depósito, herdado da matriz sedimentar?; pólen contemporâneo da deposição do sedimento? — tudo é concentrado, misturado, e ali está, na lâmina de microscópio, à espera de ser observado.

Quando em presença de espectros polínicos muito oxidados, como é frequente em sedimentos arqueológicos arejados, de matriz silto-arenosa seca, torna-se muitas vezes óbvia a erosão dos grãos de pólen, quer observada directamente na superfície dos grãos, quer inferida pela exclusiva ocorrência de pólen muito resistente e ausência de pólen frágil.

Qual o significado paleoecológico da “meia-dúzia” de grãos aí identificados e contados? Mesmo assumindo que são todos contemporâneos da deposição (o que não há maneira de provar), que percentagem representam relativamente ao espectro polínico original? Qual a sua relação com a paisagem coeva dos horizontes arqueológicos?

Das experiências já realizadas sobre contextos deste tipo, somos obrigados a concluir que, em condições de oxidação, os resultados polínicos não são fiáveis. É sobretudo importante pensar na capacidade imagética da palinologia, que nos fala simultaneamente da presença e da ausência de protagonistas vegetais na paisagem, capacidade que se perde quando há destruição diferencial do pólen. Olhar um conjunto polínico profundamente distorcido de pouco vale. (Mateus et al, 2003: 146)"

MATEUS, J. E.; QUEIROZ, P. F.; VAN LEEUWAARDEN, W. (2003). O Laboratório de Paleoecologia e Arqueobotânica – uma visita guiada aos seus programas, linhas de trabalho e perspectivas. In MATEUS, J.E.; MORENO-GARCÍA, M. (eds) – Paleoecologia Humana e Arqueociências. Um programa multidisciplinar para a arqueologia sob a tutela da Cultura. IPA (Trabalhos de Arqueologia; 29), Lisboa: p.106-188.

2 comentários:

  1. O problema da conservação de pólen em contextos arqueológicos e o contexto em que os restos polínicos se encontram é de facto um dos elemento que demonstra que as jazidas que encontramos não espelham necessariamente as condições existentes no passado. É essencial a reconstrução dos processos que levaram à construção do registo arqueológico, durante e pós a deposição dos sedimentos. Sem um tal conhecimento prévio, é simplesmente impossível reconstruir e retirar inferências arqueológicas. Este é um dos domínios dos estudos geoarqueológicos, isto é, reconstruir os processos tafonómicos que tiveram efeito nos sedimentos.
    O exemplo que mencionas acerca dos restos polínicos é um entre muitos outros exemplos. Muitos dos sítios arqueológicos, nomeadamente em contextos de ar livre, encontram-se bastante bioturbados por fauna e flora. A migração vertical de pólens ocurre frequentemente, mas outros elementos, como carvões ou mesmo objectos arqueológicos são susceptíveis de migrar nos depósitos para épocas anteriores ao seu contexto deposicional original. Além disso, a recontrução dos processos de formação de um sítio arqueológico é também essencial para se saber o contexto de materiais usados para datação (de que vale datar um material que se encontra fora de contexto? que informações nos dá uma data sobre um material cuja deposição se deve a uma remobilização postdeposicional?). O estudo geoarqueológico de qualquer sítio, independentemente da sua cronologia ou área geográfica, tem que ser um primeiro passo para que estudos arqueológicos, polínicos, datações, etc possam ser efectuado. Infelizmente ainda temos um longo trabalho a realizar para que estes estudos passem a ser rotina, nomeadamente em contextos portugueses.

    ResponderEliminar
  2. De facto tens razão. Isso exige um redireccionamento dos trabalhos arqueológicos para um novo paradigma marcado pela interdisciplinaridade. Estamos muito longe de chegar a esse estádio. ~

    Felizmente já existe quem avalie de forma crítica a recolha de elementos para datação, reavaliando os contextos referidos em bibliografia (veja-se a discussão que se faz acerca do Neolítico antigo). Já a aceitação para a discussão da cronologia do campaniforme português de datações obtidas em material de proveniência desconhecida, depositado em um qualquer museu é um exemplo justamente do oposto.

    Um nota mais: Luis Gómez Orellana na comunicação que fez na semana passada em Braga mencionou também as sequências palinológicas obtidas em grutas defendendo que não são aptas para reconstituições paisagísticas pois acarretam diversos problemas, salientando-se:

    - as sequências obtidas em grutas não se formam através de uma verdadeira chuva polínica pelo que não está garantida a sua representatividade regional

    - os contextos de gruta estão sujeitos a diversas alterações, em especial devido à circulação de água que potencia transporte de pólen e contaminação de contextos

    Como trabalhas num contexto desta natureza, ainda por cima numa perspectiva geoarqueológica, talvez tu, Vera, consigas ter uma perspectiva critica acerca deste assunto.

    ResponderEliminar

Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.