segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

O Património Genético Português – a história humana preservada nos genes

À guisa de sugestão natalícia, foi editado pela Gradiva o livro O Património Genético Português – a história humana preservada nos genes de Luísa Pereira e Filipa M. Ribeiro. Mais um exemplo de que o género da divulgação científica está em crescimento em Portugal, e que cientistas de topo fazem um esforço por trazer a sua investigação a um público generalista, de forma compreensível a qualquer pessoa interessada.

Esta é uma obra de leitura empolgante e bem redigida. A genética populacional humana é aqui introduzida de forma inteligível (e inteligente) ao leitor menos versado, sem cair em simplismos paternalistas. Os temas abordados, mesmo os que envolvem conceitos mais complexos, são apresentados com clareza e as autoras não caem na tentação de tornar os temas “divertidos”. O texto é sóbrio mas simultaneamente entretém e cativa porque os próprios temas são fascinantes e dispensam artifícios de estilo.

Vários tópicos são discutidos, mas todos têm em comum a explicação de como a genética pode ser usada para perceber o passado humano, desde as origens da espécie até a períodos históricos recentes. Pelo caminho as autoras ilustram bem o modo de funcionamento da investigação científica e até a forma como os cientistas entendem e interagem com os arqueólogos.

Logo no inicio esclarece-se que a genética, ao contrário do que muitas vezes se pensa, demonstra a irracionalidade presente no conceito de raça:

Ao longo deste livro, vamos usar palavras como «português», «europeu», «escravo», «subsariano», «islâmico», «cristão», «judeu», sem qualquer juízo de valor associado. Aliás, neste ponto a genética forneceu-nos objectivamente as evidências para destronar muitos preconceitos (…) é assim uma tentativa de informar numa linguagem menos técnica mas objectiva para que haja menor possibilidade de mau uso.”(pág. 9).

“(…)deve ficar claro que se e quando a expressão «raça» for utilizada, ela irá representar uma construção social, politica ou cultural e não uma entidade biológica.” (pág. 44).

Numa primeira parte poderá ler-se sobre como os geneticistas usam a informação contida no DNA das populações humanas actuais para esclarecer a origem do homem moderno e para avançar uma data para este evento. Fala-se de como a genética parece dar força ao modelo “out-of-Africa” de evolução do Homo sapiens. É ainda explicada a forma como o DNA mitocondrial e marcadores no cromossoma Y são usados para estudar as grandes migrações humanas no paleolítico. Referem-se Neandertais e a possibilidade destes se terem cruzado com homens modernos. Revê-se o uso da genética no debate entre difusão cultural vs difusão démica para a introdução da agricultura. Mais no campo da antropologia discutem-se as repercussões genéticas das assimetrias de género em diferentes culturas.

Na segunda parte aprende-se sobre o legado genético nos portugueses de variados povos que influenciaram o nosso passado como os migrantes paleolíticos, os primeiros agricultores, escravos oriundos da África Subsariana, os mouros do Norte de África ou os judeus sefarditas. Finalmente aprendemos qual foi a nossa influência genética nos territórios ligados à expansão marítima, como Cabo Verde, Moçambique, Angola, Brasil, Índia, entre outros.

Por abordar ficam outros temas que talvez pudessem ter sido discutidos, como por exemplo se será possível identificar sinais genéticos de outras eventuais migrações mais ou menos bem documentadas, como a dos Iberos, Celtas ou Romanos. O aspecto clínico fica de fora da obra, não sendo mencionado o interessante caso da alta frequência da paramiloidose em algumas localidades Portuguesas do litoral norte (e.g. Póvoa de Varzim) e que se supõe resultarem da forte influência genética de invasores Normandos em comunidades particularmente endogámicas fundadas na Idade Média.

Creio que qualquer leitor encontrará pelo menos um tema novo entre assuntos cativantes raramente abordados anteriormente e que resultam da frutífera carreira de investigação da autora Luísa Pereira, no IPATIMUP. Este livro constitui uma primeira abordagem, bem referenciada, ao passado do ponto de vista biológico. Oferece um contraste inovador com a arqueologia e historiografia clássicas, debruçadas essencialmente em aspectos do foro cultural ou económico.

Duma forma geral “O Património Genético Português – a história humana preservada nos genes” é um “page turner” indispensável em qualquer boa biblioteca caseira.

1 comentário:

  1. Já o vi à venda e fiquei muito curioso. Confesso que, dada a minha ignorância nessas temáticas, não arrisquei comprar. Na altura pensei pedir-te uma opinião... ainda bem que te adiantaste.

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