segunda-feira, 29 de março de 2010

Sobre a "nova" espécie de hominíneo

Continuando o polémico tema apontado num post anterior pelo Ricardo, é preciso frisar algumas coisas.

Primeiro, a importância mediática que foi dada a este estudo parece um pouco desproporcionada. O artigo de Ana Gerschenfeld no Público on-line é uma cativante narrativa do quão excitante pode ser o dia-a-dia dum investigador (suspiro - se ao menos fosse verdade), mas apela mais ao coração que à razão. Em ciência os resultados espectaculares tendem ou a ser posteriormente falsificados ou, a serem genuínos, precisam sempre de mais estudos para serem confirmados. Infelizmente, a comunicação social na sua busca pelo “entretenimento primeiro, informação depois”, não compreende muito bem isto.

O próprio Svante Paabo, um dos pioneiros do estudo de DNA antigo e um dos mais competentes investigadores no meio, iniciou a sua carreira com uma comunicação publicada no mesmo jornal onde este estudo do putativo hominineo de Denisova foi publicado – Nature. Ele relata a recuperação de 3.400 bp (pares de base) da sequência de DNA duma múmia egípcia. Foi naturalmente um resultado fabuloso que viria inclusive a abrir as portas da imaginação de Michael Crichton para escrever o seu Jurassic Park. Hoje sabe-se que o DNA antigo encontra-se sempre bastante degradado e que fragmentos com mais de aproximadamente 500 bp resultam de contaminações com DNA moderno. Além disso, o ambiente quente e com variações térmicas do Egipto dificulta bastante a sobrevivência de DNA (este é um pormenor importante sobre outro trabalho muito duvidoso mas tremendamente mediatizado: a recuperação de DNA da múmia de Tutankhamon). O que Paabo tinha publicado no mais prestigiado jornal cientifico era… uma contaminação, provavelmente o seu próprio DNA.

“Escândalos” semelhantes assombraram o mundo do DNA antigo pelo que muitos investigadores adoptaram uma atitude mais humilde. No final dos anos 90 convencionaram-se nove critérios para garantir a verificabilidade e autenticidade dos estudos de DNA antigo.

Um deles, que curiosamente neste estudo de Krause, Paabo, e colaboradores parece não ter sido feito (ou pelo menos não aparece explicitado no artigo), é a replicação por um grupo independente e num local diferente. Se o trabalho de extracção de DNA e subsequente análise foi feito apenas no Max Planck Institute em Leipzig, tal não é boa prática. Talvez a unicidade da amostra (uma pequena falange) o justifique, mas quando um resultado tão bombástico como uma nova espécie de hominíneo é apresentado as regras devem ser seguidas.

Esse é outro detalhe interessante: uma falange foi o material usado para extrair DNA. Apesar das condições excepcionais da Sibéria para a preservação de biomoléculas e o pressuposto teórico de que o DNA humano pode sobreviver post-mortem em qualquer tecido ósseo, é algo anómalo que um pedaço tão pequeno de osso seja usado como única evidência genética (toma lá esta, CSI!!!).

À primeira vista, os resultados deste trabalho parecem fiáveis e as conclusões sustentáveis. Não parece nada de anormal a existência de espécies de hominíneos que ainda desconhecemos, e que terão certamente migrado de África em diferentes momentos. Apenas um antropocentrismo bacoco pode levar à ideia de que somos uma espécie excepcional e infinitamente rara (pessoas religiosas e malta das humanidades comecem a acender-me a fogueira). Mas antes de se partir para uma excitante revisão de todos os livros de evolução humana é preciso esperar por mais (e melhores) estudos.

domingo, 28 de março de 2010

Castro de Penalba - Carpologia

Sei que se trata de um texto que já tem vários anos e que se trata de um sítio arqueológico bastante conhecido - em parte devido a este estudo de carpologia - mas é sempre útil relembrar as jazidas excepcionais.

No endereço http://revistas.ucm.es/bio/02144565/articulos/BOCM9090110081A.PDF podem descarregar o artigo onde são publicados os dados referentes às sementes recolhidas em escavação no Castro de Penalba (Aira et al. 1990). Impressiona essencialmente a quantidade dos macrorrestos recolhidos em níveis do inicio da Idade do Ferro : 70 kg de trigo de grão vestido (Triticum dicoccum), 2 kg de milho miúdo (Panicum miliaceum) e 7 kg de bolotas (Quercus).

Parte destes vestígios de agricultura e recolecção encontrava-se em pequenas concentrações junto a fundos de vasos, possivelmente utilizados para a sua armazenagem.

Outro aspecto pelo qual este estudo é interessante é por não ser o único realizado sobre amostras desta jazida. Um estudo do mesmo ano (Tellez et al. 1990) chega a espécies de trigo diferentes, com base numa abordagem exclusivamente biométrica, restando como símbolo da escassa fiabilidade deste tipo de abordagem, tendo em conta que o estudo de Aira Rogriguez et al. (1990) baseia a identificação do trigo no carácter diagnosticante das espiguetas.

Referência:
AÍRA RODRIGUEZ, M. J.; RAMIL REGO, P.; ALVAREZ NÚÑEZ, A. (1990). Estudio Paleocarpológico realizado en el Castro de Penalba (Campolameiro, Pontevedra. España). Bot. Complutensis, 16: 81-89.

TELLEZ, R.; CHAMORRO, J.G; ARNANZ, A.M.(1990). Análisis discriminante en la identificación de trigos arqueológicos españoles. Trab. de Preh. 47: 291-316.

quinta-feira, 25 de março de 2010

Nova espécie de hominíneo?

Através da análise de ADN foi identificada uma possível nova espécie de hominíneo, designado de “X woman”, que poderá datar de há 48.000 a 30.000 anos. A amostra foi recolhida de um dedo descoberto há dois anos na gruta Denisova (Sibéria). Esta descoberta sugere que terão existido naquela área três linhagens hominíneas (humanos anatomicamente modernos, Neandertais e “X-Woman”), ás quais acresce o Homo
floresiensis na ilha das Flores. Os dados genéticos sugerem que humanos anatomicamente modernos, Neandertais e a nova espécie terão partilhado o último antepassado comum há cerca de 1 milhão de anos.
A designação provisória adoptada deve-se ao facto da pesquisa inicial se ter baseado na análise do ADN mitocondrial, que é transmitido por via materna, não significando, assim, que se trata de uma mulher. Essa questão só poderá ser respondida após a análise do ADN nuclear, assim como diversas outras que emergem. Há, porém, que enfatizar que embora os dados sugiram que se pode tratar de uma nova espécie são necessárias mais informações, como já sublinhado por diversos investigadores, que corroborem esta hipótese para que se possa afirmar que estamos efectivamente perante uma nova espécie


Aqui fica o link para a notícia e respectivos artigos:

http://www.nature.com/news/2010/100324/full/464472a.html

quarta-feira, 24 de março de 2010

Datação por carbono não destrutiva

"Non-destructive carbon dating"

é a designação de uma nova forma de datação por carbono 14 (C-14) desenvolvida por uma equipa de investigação dirigida por Marvin Rowe. Esta técnica já foi testada em mais de 20 substâncias orgânicas tendo oferecido resultados congruentes com os da forma convencional da datação por C-14. A técnica continua em processo de aperfeiçoamento e poderá a vir usada sem que implique destruição das matérias analisadas.


Aqui fica o link para a notícia:
http://www.eurekalert.org/pub_releases/2010-03/acs-nmc031210.php

segunda-feira, 22 de março de 2010

II Jornadas do Quaternário


No início do próximo mês de Maio vão realizar-se em Braga as III Jornadas do Quaternário, da APEQ (Associação Portuguesa para o Estudo do Quaternário) subordinadas ao tema "Evolução Paleoambiental e Povoamento no Quaternário do Ocidente Peninsular".

Já estão marcadas quatro conferências mas até 12 de Abril é possível enviar propostas de comunicações.

Vejam a primeira circular aqui em baixo (aumenta ao clicar).


sábado, 20 de março de 2010

Colecções de Esqueletos Identificados

No link abaixo, podem saber alguns detalhes de diversas colecções de esqueletos existentes um pouco por todo o mundo. Estas colecções são fundamentais para o desenvolvimento das metodologias aplicadas pela Antropologia Biológica e o site disponibiliza referências bibliográficas de alguns dos trabalhos de investigação efectuados. Também estão listadas algumas colecções arqueológicas.

http://skeletal.highfantastical.com/

domingo, 14 de março de 2010

O site do BoneCommons finalmente reabriu!


BoneCommons é um site patrocinado pelo ICAZ e que pretende ajudar a comunidade zooarqueológica a partilhar informação, fotografias e questões.
http://alexandriaarchive.org/bonecommons/

Para quem gosta de ossos de animais vale a pena ainda relembrar
o http://zooarchaeology.ning.com, uma espécie de rede social à moda do Facebook para zooarqueólogos - o Zoobook!

Mais rudimentar mas bastante eficiente é a ZOOARCH list (https://www.jiscmail.ac.uk/cgi-bin/webadmin?A0=zooarch), uma lista de mails onde podemos inscrever e receber as notícias e perguntas mais recentes do mundo dos ossos!


sexta-feira, 12 de março de 2010

Frutos e sementes: imagens

3892.jpg Atropa bella-dona 1751.jpgSilene nutans
3348.jpg Taxus baccata 3156.jpgBuxus sempervirens

Cicer arietinum 2694.jpgMedicago minima

4414.jpg Euphorbia helioscopia Cannabis sativa


O que pretendo com estas imagens é evidenciar a beleza de algumas estruturas vegetais, neste caso os frutos e sementes. No site do Digital Seed Atlas of the Netherlands em http://seeds.eldoc.ub.rug.nl/root/ poderão ver mais exemplos.

terça-feira, 9 de março de 2010

A "verdade" em ciência com ou sem máquina do tempo

Para quem não sabe, fica aqui a grande noticia: inventaram a máquina do tempo e proibiram as opiniões contrárias! É essa a sensação que temos quando lemos a grande noticia da agência reuters:

"It's official: An asteroid wiped out the dinosaurs

A giant asteroid smashing into Earth is the only plausible explanation for the extinction of the dinosaurs, a global scientific team said on Thursday, hoping to settle a row that has divided experts for decades." (vejam em http://www.reuters.com/article/idUSTRE6233YW20100304?loomia_ow=t0:s0:a49:g43:r3:c0.100000:b31301396:z0)

Não está aqui em causa se, de facto, a hipótese em questão é aquela que consegue granjear os argumentos mais coerente e convincentes, mas sim a forma como é divulgada esta notícia. É oficial! É a única explicação plausível! Como se agora ficassem eliminadas quaisquer outras hipóteses alternativas. É tanto mais grave quanto, como a própria noticia refere, durante décadas muitos especialistas discordaram nesta matéria.

Não creio que esta noticia respeite minimamente princípios básicos em ciência tais como o carácter provisório das teorias (e dos paradigmas) e a inexistência de verdades absolutas. Não me parece uma postura correcta, ainda que a conclusão resulte de um painel de 41 cientistas. Podemos questionar, no seguimento de uma mensagem anterior neste blogue, como foi feita a escolha destes 41 cientistas. Será que não tinham logo à partida, todos eles, a convicção de que esta era a hipótese mais plausível? Se assim for, este novo texto unicamente junta em uníssono pessoas com a mesma opinião. A virtude argumentativa está em convencer quem tem opinião contrária. Além disto, demonstra uma prepotência tremenda.

Pondo água na fervura. Será que não é uma má postura científica - de acordo com os meus parâmetros - por parte do painel de cientistas, mas somente um caso de mau jornalismo? Todos conhecemos casos de subversão jornalística, por parte de profissionais mal qualificados, para quem a ciência providencia "a verdade única" e não "as verdades" de cada cientista ou grupo de cientistas - com 41 ou mais elementos.

O discurso da "verdade única", embora mais fácil de comunicar com pessoas exteriores ao debate científico, traz problemas a médio prazo: o mesmo público terá dificuldades em perceber mudanças de paradigmas. Vão qualificar essas mudanças como erros, quando são unicamente alterações de paradigma - à moda de Kuhn ou de Popper.

Eu já por mais de uma vez fui olhado de soslaio em escavações arqueológicas por não conseguir afirmar peremptoriamente o que se passou naquele local, sem qualquer margem para dúvida. Ao colocar, eu próprio, mais de uma hipótese interpretativa para os dados que estou a obter, muitos tendem a ver o meu trabalho como não-científico ou a questionar as minhas capacidades para realizar o trabalho.

Em jeito de provocação devo referir que nem com uma máquina do tempo esta multiplicidade de perspectivas iria terminar. Quase que aposto que até iria multiplicar-se...

sexta-feira, 5 de março de 2010

Programa do Congresso do IWGP

Para quem estiver interessado, está disponível em http://www.palaeoethnobotany.com/conference.php o programa provisório do próximo congresso de arqueobotânica organizado pelo International Work Group for Palaeoethnobotany (IWGP), grupo responsável pela publicação Vegetation History and Archaeobotany.

O congresso vai realizar-se em Wilhelmshaven, na Alemanha entre 31 de Maio e 5 de Junho do presente ano.

O conjunto de comunicações orais e posters ascende a um impressionante número de 180 contribuições, cobrindo diversos temas dentro das seguintes sessões:

Gathering, cultivation and domestication
Ethnobotanical approaches
Methods and Analytical Archaeobotany
Regional and Historical Archaeobotany
Origins of Agriculture in the Near East

Neste ano existem colaborações de quatro investigadores portugueses (entre os quais dois autores deste blogue), num total de três comunicações orais:

Oliveira, H./Lister, D./Jones, M.
Phylogeography of Triticum turgidum landraces in Iberia and North Africa: genetic structure and cultivation history

Figueiral, I./Sejalon, P.
Deep down the wells, in southern France: plant remains (Late Neolithic - Roman) from Mas de Vignoles IX and their implication for the study of settlement, environment and economy

Tereso, J./Ramil-Rego, P./Goméz-Orellana, L./Almeida-da-Silva, R.
A palaeoethnobotanical approach to agricultural development in NW Iberia during prehistoric and early protohistoric times

Contam-se ainda várias outras comunicações e posters focando contextos ibéricos.

quarta-feira, 3 de março de 2010

Património Osteológico Humano em Portugal: Uma Base de Dados

Dias depois da apresentação em Coimbra de uma base de dados da informação relativa aos restos humanos recuperados em trabalhos arqueológicos, entrevistámos duas das suas responsáveis para conhecer melhor este projecto. Cidália Duarte e Filipa Neto são ambas Mestres em Antropologia Biológica actualmente em funções no Instituto de Gestão do Património Arquitectónico e Arqueológico (IGESPAR, IP). A base de dados foi baptizada como Património Osteológico Humano em Portugal (POHP).

Em que consiste o POHP?
É um ramo do próprio Sistema de Informação Endovélico, que gere a informação sobre sítios arqueológicos em Portugal, em todas as suas vertentes – investigação, escavação, valorização, informação sobre responsáveis por trabalhos arqueológicos efectuados em casa sítio, e relatórios elaborados para cada um. O POHP foi desenvolvido para englobar toda a informação que consta dos relatórios de escavação de ossos humanos, nomeadamente dos relatórios de Antropologia.

Quais são as vantagens associadas ao desenvolvimento deste projecto?
A especificidade da Arqueologia Funerária e as exigências da legislação portuguesa geram um volume de informação extremamente útil para a investigação arqueológica e mesmo para a gestão de espólios em museus. A partir do portal do IGESPAR poder-se-á saber onde se encontram depositados ossos humanos provenientes de determinada área geográfica e de determinada época, e em que estado de conservação se encontram.

Que informações específicas são disponibilizadas por esta base de dados?
A POHP armazena e permite relacionar dados sobre Arqueologia Funerária (necrópoles, sepulturas específicas, ossários, etc) e sobre Antropobiologia, quando esses dados existem em relatório – indivíduos, osteobiografias, estado de conservação, local de depósito.

De que forma a comunidade arqueológica portuguesa pode contribuir para um melhor registo dos dados a integrar no POHP?
O ex-IPA e o presente IGESPAR, IP tem pautado por regular o tipo e nível de informação que consta dos relatórios de Antropologia, de forma pedagógica e pedindo aos investigadores para colmatarem, determinadas falhas que possam, eventualmente, existir nos relatórios apresentados. O nível actual de informação fornecida está directamente relacionado com o curso dos trabalhos de campo, actividade que é fiscalizada pelos agentes do IGESPAR nas Extensões Territoriais. O projecto de alteração aio regulamento dos Trabalhos Arqueológicos que se encontra em discussão pública prevê algumas alterações a este nível, prevendo formalmente a incorporação de algumas variáveis sobre Antropologia Funerária e sobre Bioantropologia na fase de elaboração de relatório e na fase de escavação que o procede.

Em que fase se encontra o projecto?
O projecto foi desenvolvido em 2004 do ponto de vista informático; desenharam-se os formulários, as relações entre variáveis para a produção de relatórios/estatísticas a extrair dos dados inseridos. Entretanto, as alterações à orgânica levaram a uma pausa. Desde 8 de Janeiro de 2010 está a ser alimentada com dados específicos de necrópoles recentemente escavadas, e foi apresentada à comunidade no dia 1 de Março (Universidade de Coimbra; Grupo de Estudos em Evolução Humana) à qual se seguirá segunda apresentação na Associação dos arqueólogos Portugueses, a 16 de Março, no Largo do Carmo.

6) Como podemos aceder à base de dados?
A base de dados será aberta ao publico futuramente, em conjunto com o endovélico, através do portal do IGESPAR, IP. Por ora, a sua utilização ainda não é possível por falta de dados inseridos. No terceiro trimestre de 2010, contudo, deve estar disponível .