Foi hoje defendida a primeira tese realizada no âmbito do Mestrado em Geoarqueologia, da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa em parceria com o IGESPAR: "Estudo petroarqueológico da utensilagem lítica do sítio arqueológico Lajinha 8 (Évora, Portugal). Análise de proveniências" por Rita Gaspar, tendo sido aprovada com a classificação de 19 valores.
Com a autorização da autora, segue o resumo da dissertação:
"No estudo aqui apresentado, centrado na colecção de utensilagem de pedra lascada do sítio arqueológico do Neolítico antigo Lajinha 8, desenvolveu-se uma abordagem geoarqueológica relativamente ao aprovisionamento das matérias-primas líticas utilizadas por este grupo humano.
O conjunto alvo é composto por 254 utensílios maioritariamente sobre suporte lamelar onde se denota uma forte componente micrólita, nomeadamente de geométricos. O seu estudo realizou-se com recurso a análises petrográficas macro e microscópicas que conduziram à identificação de sete litologias distintas. A representação destas no conjunto alvo encontra-se directamente relacionada com a sua aptidão para o talhe, salientando-se entre as rochas sedimentares as de texturas micro e/ou criptocristalinas e entre as rochas ígneas as de texturas afaníticas. A forte presença de litologias menos comuns em conjuntos líticos de outros sítios arqueológicos enquadráveis no Neolítico antigo, como sejam rochas vulcanosedimentares e metaliditos, é outra característica do conjunto em análise.
O estudo petrográfico realizado foi complementado com análise cartográfica, bibliográfica e prospecção de campo com objectivo de identificar as Fontes de Matérias-Primas das litologias representadas. No entanto, apenas foi possível apontar algumas prováveis Áreas Mãe de Proveniência, através das formações cartografadas. Desta forma é possível colocar a hipótese de que a maior parte das matérias-primas utilizadas por este grupo humano estariam disponíveis a distâncias de cerca de 25km em linha recta. Contudo, algumas das litologias utilizadas, nomeadamente os chertes e jaspes, poderão ter a sua origem em intercâmbios com outros grupos humanos."
Parabens Rita.
ResponderEliminarAbraço
Hugo Gomes
Regressemos então às questões abordadas numa anterior sequência de comentários. Tendo como tópico estruturante a nomenclarura. Fixemo-nos em «micrólitos geométricos».
ResponderEliminarA nomenclatura «morfológica», aparentemente neutra, não será também um procedimento descritivo de género narrativo. Para qualquer incauto, e há muitos, transmite-se a ambiguidade de que «concepções ou noções geométricas» estiveram presente, como referência de orientação, no momento de realização dos artefactos.
Não se trata de por em questão a qualidade da tese proposta. Trata-se de realçar a ideia de necessidade de aplicar uma vigilância mais crítica aos critérios interpretativos que se enquistaram na nossa relação com os «objectos». É óbvio que estas observações poderiam trespassar transversalmente o discurso estruturador da tese.
Perde validade a tese? Obviamente que não. penas nos alerta para a validade dos passos que temos que dar em frente. Sem nos imobilizarmos, da mesma forma como não podemos imobilizar o fluir da ocorrência do discurso, enquadrado pela ordem estabelecida.
Embora não tenha grandes, nem sequer significativos, conhecimentos acerca das indústrias líticas pré-históricas, sinceramente, não vejo qualquer problema na expressão "micrólitos geométricos". Esta significa unicamente que estamos perante um objecto que se enquadra numa tipologia definida por um determinado autor (neste caso, a tipologia de António Faustino Carvalho).
ResponderEliminarRemetendo para um comentário anterior, de uma outra mensagem deste blogue, será que não está a questionar a um nível que implica inoperacionalidade? Dou-lhe um exemplo mais complicado do que o dos micrólitos: as ditas "alabardas", usualmente de cherte, do Calcolítico. Staso Forenbaher questionou a sua função enquanto alabarda e preferiu designar esses objectos de "long bifacial artifacts". A designação "alabarda", embora possivelmente errónea, está estabelecida já há várias décadas na arqueologia portuguesa pelo que compreendo que a generalidade dos investigadores siga a utilizar "alabarda". Hoje já há quem opte por colocar a palavra entre aspas nos artigos, tal como "ídolos de cornos". Eu prefiro a designação de Forenbaher pela (falsa?) sensação de inocuidade que implica, necessária quando existem tantas dúvidas acerca da função dos ditos objectos.
Dar nomes a objectos é um acto de construção de artificialidades. Os micrólitos podiam chamar-se "Marias" que não deixavam de ter a mesma descrição. Comunicar implica compreender e ser compreendido... "alabarda" é, neste momento, um conceito compreendido pelos arqueólogos, tenham, ou não, sido verdadeiras alabardas. Temos de ser inteligentes e ver o objecto além da palavra que o nomeia.
Preocupo-me mais com o facto de muitas pessoas analisarem conjuntos materiais sem terem em consideração os termos utilizados pelos investigadores anteriores. Se cada um criar as suas nomenclaturas será difícil dialogar e até comparar dados. É um entrave à investigação. Devemos lembrar sempre que não fazemos ciência só para nós e que não é desprimor seguir uma tipologia que já existe. Não quero com isto dizer que as tipologias não devem evoluir. Pelo contrário, devem ser revistas e renovadas, mas de forma estruturada. Sinceramente, creio que as designações "morfológicas", como você designa, são a melhor solução para casos como os geométricos e as alabardas (esta teria que ser mudada), i.e., para casos de difícil interpretação funcional. Não rejeito as designações com base na função do artefacto, pois parecem adequadas em casos claros e são óptimas para um discurso narrativo, eheheh.
Não pretendo desvalorizar a questão da atribuição de nomes aos artefactos arqueológicos. É, de facto, uma tarefa muito importante. O que pretendo com este comentário é demonstrar que a designação "micrólitos geométricos" é um código para englobar os artefactos que apresentam determinadas características. É uma designação amplamente utilizada, conhecida e reconhecida pelos profissionais desta área. Deste modo, ao contrário de si, considero que utilizar este conceito invés de condicionar ou empobrecer o discurso torna-o mais claro e perceptível, logo, torna-o melhor pois todos nós falamos ou escrevemos para que nos compreendam.
Tem toda a razão nas questões que coloca, o que ficara de resto já estabelecido nos comentários anteriores.É óbvio que não podemos suprimir uma nomenclatura sem edificar outra. Contudo, prossigo neste comentário dando seguimento a questões levantadas no seu post anterior.
ResponderEliminarE apenas me interessa ressalvar que uma nomenclatura pressupõe desde logo uma operação retórica discursiva de transferência.
Não proponho a supressão das nomenclaturas, é equívoco seu. O que proponho é que as transferências retóricas dos objectos da arqueologia são inevitáveis. Seja, que a arqueologia nada ganhará em se libertar da sua redundância num discurso narrativo, no âmbito da história ou da historiografia. Face a essa inevitabilidade, devemos sobretudo reforçar a vgilância analítica e hermenêutica sobre a «ordem» do discurso «científico», de forma a podermos abarcar, em toda a sua envolvência, a forma como o objecto se transforma quando transportado para a nossa perspectiva de observação e manipulação.
Reitero que com este meu comenário não pretendia ajuizar sobre a qualidade da tese em questão.
É simplesmente um tema cuja abordagem estruturada percorrerá ainda, em minha opinião, um extenso itinerário.
Concordo também consigo relativamente à validade dos processos de edificação das nomenclaturas consagradas, resultantes na maioria dos casos de consistentes itinerários de análise. Seja, não proponho a substituição das nomenclaturas, mas a reflexão sobre o alcance da sua intromissão na relação com o objecto.
Enfim, noutra ocasião e com outro pretexto, expor-lhe-ei a mna posição, porque proponho a reaproximação entre a arqueologia e a história. E as outras «ciências» sociais.
Não se preocupe que eu percebi perfeitamente que não estava a ajuizar sobre a tese.
ResponderEliminarContinuo a achar que está a correr um sério risco de inoperacionalidade. De facto, a transferência é inevitável - os seres humanos não são inócuos - e até desejável pois é a única forma de compreendermos verdadeiramente o significado dos termos que usamos. Claro que os termos têm de ser lidos à luz do contexto histórico e científico no qual são produzidos.
A "reflexão sobre o alcance da sua [das nomenclaturas] intromissão na relação com o objecto" é uma questão interessante. Embora algumas nomenclaturas necessitem, de facto, de ser alteradas, a verdade é que o que necessita de ser alterado é a nossa forma de encarar as nomenclaturas de modo a percebermos que a designação alabarda poderá não corresponder exactamente a uma alabarda, mas sim a um objecto com características bem definidas. O que não invalida, saliento mais uma vez, que se enverede por uma revisão de terminologias.
De novo estamos de acordo, no eseencial. Seja, a transferência é inevitável, é desejável que compreendamos o alcance e a natureza dos processos de transferência, isso é mais operacional do que qualquer revisão da nomenclatura, que será de novo efémera. Só não concordo consigo na questão de deduzir que desta reflexão resulta inoperacionalidade alguma.
ResponderEliminarDe resto, uma vez que registo a abertura e a agilidade com que um especialista da sua área se movimenta nesta outra de reflexão, pacifica-me no que respeita a operacionalidades. Devo-lhe confessar que era inesperado para mim.
Ao fim e ao cabo, foi o seu anterior post que nos conduziu a este comentário.
Se me permite que utilize o seu endereço pessoal para comentar alguns detalhes que possam restar, escusamos de estar aqui a incomodar os circunstantes.
Mas era uma tese de geo-arqueologia ou sintaxe gramatical?
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