terça-feira, 9 de março de 2010

A "verdade" em ciência com ou sem máquina do tempo

Para quem não sabe, fica aqui a grande noticia: inventaram a máquina do tempo e proibiram as opiniões contrárias! É essa a sensação que temos quando lemos a grande noticia da agência reuters:

"It's official: An asteroid wiped out the dinosaurs

A giant asteroid smashing into Earth is the only plausible explanation for the extinction of the dinosaurs, a global scientific team said on Thursday, hoping to settle a row that has divided experts for decades." (vejam em http://www.reuters.com/article/idUSTRE6233YW20100304?loomia_ow=t0:s0:a49:g43:r3:c0.100000:b31301396:z0)

Não está aqui em causa se, de facto, a hipótese em questão é aquela que consegue granjear os argumentos mais coerente e convincentes, mas sim a forma como é divulgada esta notícia. É oficial! É a única explicação plausível! Como se agora ficassem eliminadas quaisquer outras hipóteses alternativas. É tanto mais grave quanto, como a própria noticia refere, durante décadas muitos especialistas discordaram nesta matéria.

Não creio que esta noticia respeite minimamente princípios básicos em ciência tais como o carácter provisório das teorias (e dos paradigmas) e a inexistência de verdades absolutas. Não me parece uma postura correcta, ainda que a conclusão resulte de um painel de 41 cientistas. Podemos questionar, no seguimento de uma mensagem anterior neste blogue, como foi feita a escolha destes 41 cientistas. Será que não tinham logo à partida, todos eles, a convicção de que esta era a hipótese mais plausível? Se assim for, este novo texto unicamente junta em uníssono pessoas com a mesma opinião. A virtude argumentativa está em convencer quem tem opinião contrária. Além disto, demonstra uma prepotência tremenda.

Pondo água na fervura. Será que não é uma má postura científica - de acordo com os meus parâmetros - por parte do painel de cientistas, mas somente um caso de mau jornalismo? Todos conhecemos casos de subversão jornalística, por parte de profissionais mal qualificados, para quem a ciência providencia "a verdade única" e não "as verdades" de cada cientista ou grupo de cientistas - com 41 ou mais elementos.

O discurso da "verdade única", embora mais fácil de comunicar com pessoas exteriores ao debate científico, traz problemas a médio prazo: o mesmo público terá dificuldades em perceber mudanças de paradigmas. Vão qualificar essas mudanças como erros, quando são unicamente alterações de paradigma - à moda de Kuhn ou de Popper.

Eu já por mais de uma vez fui olhado de soslaio em escavações arqueológicas por não conseguir afirmar peremptoriamente o que se passou naquele local, sem qualquer margem para dúvida. Ao colocar, eu próprio, mais de uma hipótese interpretativa para os dados que estou a obter, muitos tendem a ver o meu trabalho como não-científico ou a questionar as minhas capacidades para realizar o trabalho.

Em jeito de provocação devo referir que nem com uma máquina do tempo esta multiplicidade de perspectivas iria terminar. Quase que aposto que até iria multiplicar-se...

8 comentários:

  1. Pois eu arrisco afirmar - longe de ser peremptoriamente, ou perentoriamente, já nem sei - que foi uma vez mais um brinde jornalístico.

    Não apenas em notícias científicas (como, de resto, importa neste momento) mas na generalidade dos media a qualidade da informação estende-se para além no inaceitável, indo do vulgar "eu" jornalístico (que, se bem me lembro, deveria estar ausente) a fazer interpretação de factos em vez de se limitar a apresentá-los, e chegando ao "eu" puramente criativo, como aparenta ter sido o "caso do prego" recentemente divulgado na ArchPort (veja-se http://ml.ci.uc.pt/mhonarchive/archport/msg08212.html e http://ml.ci.uc.pt/mhonarchive/archport/msg08221.html).

    Nos tempos que correm, vale a pena dar um grande desconto ao que se lê nos media.

    Um abraço,

    Pedro Santos

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  2. O que mais me deixa apreensiva é que não estamos sempre perante mau jornalismo e, um pouco por todo o mundo, vemos quem afirme as suas verdades científicas absolutas nas mais diversas áreas.

    Cumprimentos,

    Cláudia Santos

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  3. Bem, pessoalmente acho que a melhor forma de falar com um jornalista e* nao falar. O jornalismo hoje em dia raramente se interessa por reportar uma opiniao, um facto, uma entrevista, mas procura simplesmente "entreter" o publico.

    E ha uma expectativa enorme e absurda por parte da sociedade em relacao a* ciencia. Espera-se que a ciencia ofereca verdades... quando, claro, a ciencia so oferece probabilidades (para fornecer uma verdade absoluta existem uma panoplia de religioes). Deveria haver uma sensibilizacao da sociedade (e de muitos cientistas) para este aspecto da ciencia.

    Quanto a* arqueologia, ha uma diferenca muito grande entre uma interpretacao (que e* necessariamente apenas uma interpretacao) baseada em factos comprovaveis, dados materiais e raciocinios hipotetico-dedutivos abertos a falsificacao, duma interpretacao baseada em aspectos imateriais (simbolos, percepcoes, ideologias, etc) que nao sao de todo claros.

    Ao fim do dia a duvida e o miste*rio sao sempre coisas bonitas e apenas os mais lucidos investigadores sao capazes de dizer "huumm... nao sei, nao faco a mais palida ideia!".

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  4. É justamente para isso que servem as erratas! 
    Sim, os trabalhos científicos também as têm. Aliás, há-de estar a sair uma no site da Reuters, não tarda nada! Deve ser do tipo: “Afinal nunca houve dinossauros. A Terra só tem 6 mil anos!”

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  5. Sem querer achincalhar demasiado um blog de extrema qualidade científica, mas dando seguimento ao último comentário do David, creio que essa declaração/errata apenas vem confirmar a hipótese inicialmente proposta pelo João acerca da existência de uma máquina do tempo. Diria mesmo que tal máquina tem a forma de um burro (leia-se Caim, de José Saramago...)

    ;-)

    Abraço,

    Pedro Santos

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  6. Seguindo a ideia com a qual o Hugo finaliza o seu comentário,existe aquela velha ideia, que eu acho deliciosa, de que quando começamos um trabalho pretendemos responder a uma pergunta e quando o terminamos temos como resultado a colocação de ainda mais perguntas... por vezes nem respondemos à pergunta inicial.

    Se por cada pergunta que conseguimos responder - cada uma com a sua própria resposta - colocarmos mais 10 ou 11 perguntas, então podemos dizer que obtivemos conhecimento: passámos a conhecer que existem mais pormenores por conhecer e mais questões para tentar responder... e isso é bom, mais ainda, isso é entusiasmante, pois torna a investigação um processo interminável.

    Um ponto determinante é tentar passar ao público não só os resultados do nosso trabalho mas também o processo inerente à obtenção dos resultados e à renovação dos conhecimentos. Os jornais de grande tiragem deveriam ser uma boa forma de chegar a esse público mas é demasiado comum contactarmos com reportagens de qualidade sofrível.

    Já repararam que tão poucas vezes as reportagens de ciência dão o devido direito ao contraditório? Parece-me muito incorrecto. Mas mais uma vez voltamos à questão das verdades absolutas.

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  7. Parte do problema é que os jornalistas têm raramente formação sobre ciência. Por exemplo,a maior parte desconhece que em ciência quando um investigador afirma uma coisa há uns 20 ou 30 que discordam (felizmente!). Mas a pressão jornalística actual não se compadece com o contraditório. Também raros são os jornalistas capazes de resistir às pressões dos chefes de redacção para fazer títulos fantásticos.
    Para além disso, os próprios cientistas conseguem passar informações muitas vezes erradas. Veja-se o caso de um artigo que saiu no JAS no ano passado, que referia no título a descoberta de um cão com 30.000 anos, informação que foi posteriormente difundida pelos jornalistas.
    Peguei no artigo, li atentamente e só à terceira é que consegui concluir que os autores não conseguiram provar que era um cão!!!! Claro que poucos meses depois já estava a assistir a apresentações de investigadores bem informados a afirmarem peremptoriamente que já existia cão há 30.000 anos!

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  8. A verdade é que um artigo jornalístico não tem como função obrigatória apresentar o contraditório. Lembrem-se que um artigo de jornal deve responder essencialmente a 4 questões: O Quê, Quando, Onde e Quem? Eventualmente, poderá responder também ao Porquê e ao Como? Por essa razão, tantas vezes ouvimos dizer "Não acredites em tudo o que vem no jornal"! A sua leitura, seja qual for o teor das notícias deve ser feita de forma crítica.

    No exemplo que o João nos ofereceu, o corpo da notícia responde às questões essenciais, até porque a partir da sua leitura nós somos capazes de concluir que o título é exagerado. Ficamos a saber que foi um painel de 41 cientistas (Quem?) de diversas partes do mundo (Onde?) que chegou à conclusão que um asteróide foi responsável pela extinção dos dinossauros (O quê?) a partir de trabalhos realizados nos últimos 20 anos (Quando e Como?) de forma a harmonizar o debate em relação desta questão. Obviamente, o título é exagerado e esse é o problema da maioria dos jornais, que apostam em manchetes apelativas, mas muitas vezes distanciadas da verdade. Os jornais respondem a lógicas comerciais que normalmente não se comovem com a tradicional sobriedade do discurso científico. Por vezes, Tenho a impressão de que estamos perante um pau de dois bicos: é bom ver a ciência divulgada, mas esta necessidade de "apimentar" a notícia é prejudicial. Creio que uma forma interessante de contornar parcialmente este problema seria a publicação obrigatória da referência do artigo que origina a notícia. Lá que os jornalistas argumentem com "a protecção das fontes" para não as mencionarem, em assuntos científicos, essa preocupação não se coloca. Que acham, podemos dar origem a um abaixo-assinado organizado pelo arqueociencias solicitando a publicação das referências nos artigos que se referem a achados científicos.

    Agradecimentos:
    À minha professora de Jornalismo do 11º ano que me transmitiu conhecimentos muito úteis à redacção deste comentário. :-D

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