sábado, 28 de novembro de 2009

Ossos do ofício: que fazer com eles?

No último congresso da British Association for Biological Anthropology and Osteoarchaeology em Setembro passado, a primeira palestra foi proferida por Mike Parker Pearson, responsável pelas recentes escavações efectuadas em Stonehenge. No final, o orador alertou para o final do prazo concedido aos investigadores para estudo dos restos humanos ali recolhidos, que serão então inumados. A equipa de Stonehenge pretende a prorrogação do prazo e argumenta que a importância dos achados deveria impedir a sua re-inumação. Do outro lado da barricada, exigindo activamente o enterramento imediato das ossadas estão grupos ligados ao neo-druidismo celta que se consideram descendentes das populações que construíram Stonehenge. Portanto, nesta história estão presentes os ingredientes necessários a um debate fascinante a ter lugar no Reino Unido.

A questão da re-inumação dos achados arqueológicos não diz respeito apenas aos territórios para além do Canal da Mancha. Também em Portugal esta questão é por vezes discutida informalmente, apesar dos materiais não serem normalmente alvo de exigências semelhantes às dos neo-druidas do Reino Unido. Porém, as sucessivas escavações de necrópoles realizadas no nosso país contribuíram para a acumulação de vastas colecções de esqueletos humanos cuja reserva implica necessidades logísticas às quais a administração central não tem conseguido corresponder. Tendo em consideração este cenário, algumas pessoas questionam-se se a re-inumação em local identificado dos materiais já estudados não é uma alternativa viável ao depósito de ossadas em reservas frequentemente desadequadas. No entanto, este procedimento levanta inúmeras questões de delicada resolução.

Um dos problemas reside na importância dos achados. Por exemplo, a re-inumação de ossadas provenientes de uma necrópole moderna não suscitaria uma oposição tão firme como no caso da ossada de um Homem de Neandertal com 40 mil anos. Um achado deste tipo é tão raro e importante que ninguém se atreveria a recomendar a sua inumação. A acontecer, a re-inumação não pode então visar todos os materiais.A raridade deve ser uma das variáveis incluídas nesta equação, e está intimamente ligada à importância científica, cuja determinação é complexa e subjectiva. Então como deve ser feita a selecção das colecções a re-inumar?

Em caso de re-inumação, esta deverá repetir o enterramento ritual – quando conhecido – ao qual o indivíduo foi originalmente sujeito? No fim de contas, na maioria dos casos lidamos com indivíduos que fizeram questão de ser alvo de um ritual específico de carácter religioso. O respeito por esses desígnios deverá ser tido em consideração? E de que forma isso interferiria na re-inumação dos restos humanos garantindo a preservação necessária a novas intervenções científicas? Neste caso, os ossos deverão ser isolados do solo ambiente de forma a garantir a sua preservação pós-deposicional, por exemplo recorrendo a contentores plásticos, preceito que obviamente não faz parte de nenhum dos rituais funerários do Passado.

A questão da re-inumação dos achados humanos arqueológicos é de difícil resolução. Queremos saber se a consideram uma opção viável, e em caso afirmativo, em que moldes deverá efectuar-se. Deixem a vossa opinião e votem na caixa da barra lateral!

12 comentários:

  1. Trata-se, sem duvida, de uma questão muito polémica.

    Não sou, por principio, contrário à re-inumação, embora não possa dar uma opinião segura acerca do tema. Mesmo na minha cabeça sucedem-se vários argumentos a favor e outros contra. Na verdade, todos os argumentos a favor dão prioridade à investigação científica que pode ser proporcionada pelas ossadas. Mas são argumentos egoístas. Como bem salientas, as pessoas decidiram ser enterradas de acordo com determinados rituais, seguindo as suas crenças. O arqueólogo está, no fundo, a profanar e a contrariar a última vontade de outros seres humanos.

    Quanto ao reproduzir os rituais. Não me parece ser possível, na maioria das vezes. Mesmo os rituais mais conhecidos estão sujeitos a 1001 variações, de acordo com vontades pessoais, ora do defunto, ora dos seus familiares. Talvez seja melhor contornar essa parte da reprodução dos rituais. Corríamos o risco de estar a reproduzir rituais saídos da mente dos arqueólogos/historiadores.

    Ao mesmo tempo questiono: o que se faz hoje nos cemitérios com as ossadas - aquando da falta de pagamento de aluguer de espaço cemiterial - não é também uma igual profanação? Afinal, os arqueólogos não são os únicos.

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  2. Felicitações pela abertura a debate deste tema. De inavaliável complexidade, tanto doutrinária como operacional, acabará, por arrasto, de trazer a reboque várias questões de natureza ética e cultural, relacionadas com a exumação, não apenas de restos osteológicos mas também de artefactos, o seu destino e a natureza das manipulaçõe a que são sujeitos.
    De primeira linha.

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  3. Questão interessante, de facto. Se no caso em que estamos perante enterros com ritual funerário associado podemos e devemos colocar a questão de uma re-inumação, o que pensar no caso dos enterramentos sem qualquer intenção cultural onde apenas estiveram em prática agentes naturais, como acontece com outras espécies humanas (ainda que rarissimas no nosso país)? Quais os critérios de escolha para a re-inumação? Seria válido recorrer à memória colectiva? E quais os objectivos? Apenas livrar depósitos de museus? Parece que me surgem mais dúvidas do que respostas.

    Rita

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  4. Acho que a re-inumação não faz sentido. Embora não haja um impedimento de aceder às colecções, o facto destas se encontrarem enterradas implica um custo acrescido aos projectos de investigação que na grande maioria das vezes já se encontram bastante limitado. Relativamente aos locais parece-me que o espólio enterrado ficaria sujeito a actos de vandalismo/pilhagem, que só não acontecia se estivessem constantemente vigiados.
    Relativamente à "profanação dos rituais", é impossível fazer um reconstituição real, pois as variantes são imensas, e devo lembrar que, para além do desejo de ser enterrado em determinado sítio, também o local é muitas vezes escolhido previamente para o enterro, então o que fazer com as várias ossadas que são encontradas em contexto de obra? deixá-los por baixo das infraestruturas? Estes motivos são alguns que me ocorrem para justificar a minha opinião negativa relativamente à re-inumação.

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  5. Queria somente realçar, para quem não está dentro da temática, que a re-inumação de material osteológico no Reuni Unido não se limita ao material recuperado em Stonehenge. Este é certamente o mais mediático, em parte devido ao fascínio que Stonehenge possuí no imaginário popular e académico, mas não deve ser tido como caso único.

    Julgo que, no contexto da re-inumação de material, a problemática do “do que fazer ao material osteológico” é algo que deve de facto ser debatido em pormenor, com alguma urgência, uma vez que se acumulam os contentores com material. Alguns já esquecidos em armazéns, ou capelas semi-abandonadas, e em iminente perigo de degradação. A par desta temática, existem também muitas questões éticas que carecem de discussão, e entendimento por parte das entidades (pessoas e/ou instituições) envolvidas na escavação, tratamento, estudo e conservação de espólio osteológico. Por estes motivos, a problemática citada não deve limitar-se ao material pós-escavação, mas também durante o processo de escavação. Um tema muito sensível, eu sei, que envolve não só questões de ética, mas também económicas, e talvez alguma falta de sensibilidade não imputável a alguns dos intervenientes por razões várias. Mas é de facto uma área de interesse crescente.

    É de facto uma realidade que Portugal possuiu um vasto espólio de material osteológico, que até ao momento carece de centralização em termos de registo de base de dados, para que de facto seja dado a conhecer a investigadores nacionais e internacionais “o que existe” e “onde existe”; o que está a ser estudado, por quem e sub que temática; o que está disponível para estudar; e, quem detém a tutela do espólio. Eu própria já me deparei com esse tipo de dificuldades, às quais surgem acrescidas o facto de algum espólio estar “cedido” para investigação, há anos, a colegas que entretanto não tiveram disponibilidade para o estudar, mas que devido à “concessão de estudo”, por vezes informal, limitam o acesso ao material a outros investigadores desejosos de trabalhar.(…)

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  6. (…) No que concerne especificamente a re-inumação, e ao critério da “importância do achado”, pessoalmente e tendo trabalho já com material que abrange os períodos do Mesolítico Portugal até à Modernidade (surpreendentemente actual), julgo que todo o material é importante. No entanto, tenho plena consciência que as questões de logística de armazenamento de espólio osteológico e não só, são um desafio para as entidades que o salvaguardam. No entanto, julgo que antes de falar em re-inumação que é essencial discutir-se a necessidade de partilha de informação sobre o material estudado. A disponibilização total de dados / informação de espólio analisado, certamente poderá amenizar algumas das reservas sobre re-inumações que se tornem necessárias, ou inevitáveis. Será também imprescindível definir regras exactas de acesso ao espólio, à semelhança do que sucede com o espólio de Stonehenge: a estipulação de um prazo definido para estudo de material poderia estimular a produção de informação científica, de um maior número de parcerias, e de uma maior abertura de acesso ao espólio. E, falando da “…preservação necessária a novas intervenções científicas”. Torna-se necessária, mais do que nunca, a colaboração com a ciência da conservação e restauro. Relembro que a Antropologia Física, neste caso específico o estudo de espólio osteológico humano é uma ciência interdisciplinar, que requer uma visão holística sobre o seu objecto de estudo.

    Para finalizar, a questão da re-inumação de material osteológico é uma temática que vejo com alguma apreensão, por um lado; mas por outro, espero que a inevitabilidade do desaparecimento do espólio osteológico, inerente à sua re-inumação, suscite uma alteração de comportamento na comunidade científica que se dedica ao seu estudo. Uma alteração que promova a partilha de informação, um maior acesso aos dados, e um diálogo constante e crescente sobre os achados.

    Francisca Alves Cardoso, PhD.
    CRIA – Centro em Rede de Investigação em Antropologia, Portugal.

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  7. A questão não é nova...
    Na Arqueologia portuguesa abundam os tabus, certos assuntos de que quase ninguém fala. Um deles é o da vacilante política de gestão de espólios de que a componente osteológica é apenas um exemplo.
    A situação é, genericamente, desastrosa: descontrolo sobre inventários e locais de depósito; descontrolo relativamente às condições ambientais dos depósitos; descontrolo no que respeita à segurança dos locais de reserva. O Estado, a comunidade em geral e o meio científico não sabem o que temos em depósito, em que estado temos, quem tem colecções ilegalmente na sua posse ou que materiais já terão sido roubados...no entanto, as consciências parecem estar tranquilas. É um silêncio ensurdecedor.
    Como em tudo, devemos saber tomar e assumir opções. O absoluto não existe em Arqueologia (como provavelmente em quase nada na vida) daí que seja impossível idealizar que registamos, recolhemos e guardamos tudo. Dispomos dos meios técnicos e científicos do nosso tempo, bem como estamos limitados logística e financeiramente pelo nosso contexto. Como somos homens, muito nos escapa e lemos a realidade de acordo com as nossas limitações.
    Parece-me preferível reenterrar materiais de forma assumida e consciente, a manter uma hipócrita postura de grande preocupação pelo tratamento dos mesmos. A ERA-Arqueologia entrega regularmente colecções nos mais inacreditáveis depósitos legais: lavados, marcados, acondicionados, contentorizados. Quantos anos resistirão às péssimas condições? Para quê, o faz de conta?
    Quanto à componente osteológica, na sequência de uma recente intervenção da ERA realizada na Igreja da Ota (http://obrasdaigrejadaota.blogspot.com/), foi decidido reenterrar os ossos humanos após elaboração do respectivo relatório final. Nesse sentido, será implantada uma “caixa” numa das sondagens abertas, podendo a colecção ser “revisitada” mais tarde. No mesmo âmbito e no momento próprio, decorrerá uma cerimónia católica. Aqui, fará sentido. Caso a caso, devemos tomar tais decisões de forma ponderada, sem receitas e respeitando vivos e mortos.
    Mas não esqueçamos:as nossas opções, mesmo que claramente assumidas, não devem nunca branquear os baixos níveis de exigência da nossa Arqueologia.

    Miguel Lago

    30 de Novembro de 2009 0:02

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  8. Pessoal e profissionalmente tenho uma posição bastante republicana e laica sobre o assunto.
    Colocar a hipótese de re-inumação ou re-enterrasmento das osadas é para mim aceitável, mas na prática esta possibilidade parece-me, de facto, uma forma de aliviar consciências e é uma solução anti-científica, bastante economicista com graves prejuízos para o conhecimento de populações passadas. Supostamente estudadas, estas ossadas poderão ser descartadas... E o princípio básico científico, que preconiza a repetição de experiências realizadas (neste caso, a revisão de leituras efectuadas por outros investigadores) fica limitada, se não mesmo impossibilitada.

    Mas há algumas questões essenciais a reter:
    1. As ossadas humanas são em Portugal equiparadas a objectos arqueológicos, e como tal tratados. Mesmo que necessitem de cuidados específicos e estudos especializados.
    2. É certo que o Estado e a sua instituição responsável não tem conseguido cumprir a sua obrigação de salvaguardar os espólios exumados nas milhares de intervenções realizadas, quer sejam os ditos "arqueológicos", quer os antropológicos, faunísticos e botânicos.
    3. Quando da criação do ex-IPA pretendia-se a criação de uma rede de depósitos de materiais arqueológicos e inclusive um depósito especializado de antropologia. Mas isso colidiu com interesses e poderes distribuídos, nomeadamente do IPM - é essa instituição que supostamente gere o património móvel nacional. E assim, o assunto foi relegado para segundo plano. Os poucos espaços criados, rápido se encheram e hoje, como MLago refere, será difícil, se não mesmo impossível localizar muitos dos espólios exumados. Diria mesmo, que ninguém em Portugal tem meios de saber onde se encontram aqueles exumados nos últimos 15 anos.
    4. Apesar do argumento das ossadas a re-inumar serem estudadas antes de tal acção, resta saber o que foi estudado e como. Não esqueçamos que nos últimos 20 anos novas abordagens e estudos sobre ossadas humanas têm permitido a extracção de informação anteriormente desconhecida - isótopos e a-DNA, por exemplo. No âmbito de colecções que tenho tido o privilégio de estudar em colaboração com antropólogas, novas informações têm sido obtidas, mas que anteriormente passaram desapercebidas. Tivessem essas colecções sido re-inumadas, teria havido verba e possibilidade de recuperá-las para novos estudos? Duvido...
    5. Como também é realçado, a importância das ossadas poderá variar consoante a sua cronologia e raridade. Se necrópoles datadas da época Moderna serão mais frequentes e com maior nº de indivíduos, aquelas mais antigas são mais raras e pior preservadas. E no entanto, a informação passível de obter para o conhecimento demográfico, de patologias, etc., mesmo há cem anos atrás torna-se fulcral para um melhor entendimento do passado, no caso português, quase iletrado até ao seculo XX e sem registos fidedignos mesmo entre as reduzidas elites.
    6. No âmbito empresarial é também bastante tentador argumentar com o re-enterramento, pois alivia a responsabilidade científica. E aqui o Estado deveria assumir a sua quota de responsabilidade perante os cidadãos que pagaram para essas intervenções serem realizadas, através dos arqueólogos contratados, criando não só os referidos locais de depósito em condições, mas também fomentando o seu estudo no âmbito de PNTAs ou programas similares - mas atenção, aqui refiro-me essencialmente ao estudo de colecções exumadas, cumprindo-se parcialmente o dever social da arqueologia. Se assim não fôr, será sério obrigar ao pagamento de escavações e um relatório breve, para depois se deixar re-enterrar e ou deixar perder-se em locais recônditos aquilo que foi exumado?

    Portanto, mais do que cair na solução fácil de re-enterrar o passado, é necessário continuar a reivindicar os meios para a salvaguarda do património e do seu conhecimento e divulgação.

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  9. A questão da re-inumação é importante e poderíamos pensar nela com seriedade se estivesse resolvido o problema da forma como é tratado o material osteológico humano desde a escavação ao seu armazenamento.
    Devemos debater em primeiro lugar as condições das escavações arqueológicas, as condições de depósito do espólio e o seu estudo laboratorial. Recorde-se que no nosso país a maioria das intervenções arqueológicas são em contexto de obra e grande parte delas não contempla o estudo dos ossos, somente um relatório antropológico da intervenção em campo. Uma intervenção antropológica engloba várias fases essenciais: uma correcta escavação, exumação e armazenamento dos vestígios, a sua limpeza e o seu estudo laboratorial. Posteriormente deve seguir-se a divulgação e partilha de informação.
    Não vejo a re-inumação como uma prioridade mas poderá ser ponderada caso a caso sem que a responsabilidade científica seja descurada. Como já referiram alguns colegas é preciso continuar a fomentar a salvaguarda, o conhecimento e a partilha dos achados.

    Cláudia Santos

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  10. A diversidade de opiniões aqui presente demonstra que a questão é polémica e dificilmente se chegará a um consenso que agrade a toda a comunidade, seja ela científica ou “civil”. Tal como o Manuel afirmou, esta problemática trouxe “a reboque várias questões de natureza ética e cultural”, aliás oportunamente apresentadas nos comentários anteriores. Como deverão actuar os arqueocientistas perante estes dilemas? Até ao momento, tem sido opinião recorrente dos comentadores a necessidade de avaliar cada caso isoladamente, sendo as soluções encontradas circunstanciais e não forçosamente repetíveis em outros cenários. Concordo em absoluto com esta posição.

    Os argumentos alinham-se a favor e contra a re-inumação, mas uma coisa parece certa. Todos concordam que a situação actual é ou tornar-se-á insustentável a breve prazo. De um ponto de vista meramente científico, soará absurda aos nossos ouvidos a possibilidade de devolver à terra materiais produtores de conhecimento. No entanto, a questão prática ganha prioridade à teórica e, apesar da exigência por condições logísticas adequadas dever manter-se na ordem do dia, encontrar uma solução para as colecções hoje em perigo constitui uma necessidade mais premente.

    A re-inumação pode ser uma alternativa, mas concordo com a Francisca quando afirma que é “necessária, mais do que nunca, a colaboração com a ciência da conservação e restauro” e garantirmos primeiramente que esta é uma solução viável. Se for, então encaro a re-inumação como o equivalente arqueológico à criogenização de indivíduos com doenças incuráveis para as quais se espera encontrar solução no futuro. Se as reservas museológicas – ou a rede de reservas do ex-IPA – não garantem a preservação dos restos humanos, parece-me viável re-inumá-los até as condições logísticas serem asseguradas ou até à realização de um estudo científico complementar estar programado. Caso contrário, as ossadas podem mesmo permanecer inumadas ad eternum.

    Creio que ao nível económico, a re-inumação não acarreta orçamentos proibitivos, pelo menos quando comparados com a edificação das reservas apropriadas. Além do mais, creio que a responsabilidade pela re-inumação e eventuais exumações com propósitos científicos deverá ser gerida e estar financeiramente a cargo do Estado, dado que os materiais são Património Nacional. Já agora, o ideal seria o Estado incentivar e financiar novamente o estudo das suas próprias colecções, mas essa realidade parece cada vez mais distante!

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  11. Os comentários já feitos a este post apontam toda uma série de argumentos que me ocorreram quando o li, pelo que irei inevitavelmente repetir ideias já expostas. No entanto, não posso deixar de manifestar o meu desacordo (em princípio, não de forma categórica e universal) com a opção de re-inumação dos restos humanos recuperados. No que concerne à preservação dos vestígios, que no caso português muitas vezes é já de si milagrosa em alguns casos, estou seguro que dificilmente evitaríamos actos de vandalismo/pilhagem sobre as colecções re-inumadas. Por outro lado, como o Rui Boaventura referiu, a própria definição de experiência científica implica a possibilidade de replicação e revisão de estudos. Como seria possível com as séries a serem re-inumadas após o primeiro estudo? E quem é que define o que é um estudo antropológico completo, quais são os aspectos a considerar, quais as análises "obrigatórias"? As mesmas instituições que aceitam que partes de esqueletos fiquem debaixo de "caixas de betão" para não se alargarem fundações em contextos de obra?..
    Por outro lado, há um aspecto que me parece fundamental nesta questão. É claro que esta discussão só se coloca depois da introdução do NAGPRA nos EUA. E, de facto, em países em que ainda é possível identificar alguma continuidade cultural entre as comunidades que realizaram esses rituais e algumas populações actuais, esta é uma questão delicada e onde não consigo por enquanto ter uma opinião definitiva. Mas... em Inglaterra?! "Neo-druidas"?! Mas estamos a falar de quê, afinal? De um aglomerado de indivíduos que desenvolveram uma sub-cultura que terá mais a ver com "mitos urbanos" New Age do que com os grupos que construíram e utilizaram Stonehenge e outros monumentos pré-históricos? E porque motivo devem ser reconhecidos a estes indivíduos direitos especiais sobre um património que é de todos os cidadãos ingleses e mundiais?
    Por outro lado, fala-se de profanação. Bom, a minha opinião sobre isso é que, se todos nós que lidamos com restos humanos do passado fizermos o nosso trabalho com sentido ético, esses restos humanos serão tratados com todo o respeito. E isso inclui todos os que, em contexto de escavação lidam com esta realidade - antropólogos, arqueólogos, técnicos, a própria tutela... Entre a "profanação" arqueológica e a verdadeira profanação que seria a "entrega" de restos humanos do passado a grupos de pessoas que nada têm a ver com eles, negando o acesso da comunidade que paga pelas intervenções arqueológicas e delas espera algum retorno social, a minha escolha é clara.

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