domingo, 22 de novembro de 2009

"Dar-o-in" na investigação arqueológica

No ano que está quase a findar celebram-se os 200 anos do nascimento de Charles Darwin e o 150º aniversário da publicação da sua opus magna “A Origem das Espécies”. Uma série de iniciativas internacionais e nacionais tem sido levadas a cabo para comemorar a efeméride.

Ainda há tempo para reflectir sobre a influência que o naturalista inglês teve na arqueologia.
Infelizmente, não é incomum encontrar-se na bibliografia arqueológica, especialmente entre a geração que viveu e alinhou com o pós-modernismo, uma certa antipatia relativamente à obra e legado de Darwin, sendo este quase exclusivamente associado ao “darwinismo social” (embora Darwin não concordasse com ideias eugénicas, racistas ou à aplicação das suas teorias a políticas sociais).

Mais recentemente, alguns investigadores (p. ex. Stephen Shennan, Michael J. O’Brien) têm tentado uma abordagem teórica que explora a ideia de que os processos responsáveis por mudanças culturais ao longo do tempo são em larga medida semelhantes aos que operam na evolução biológica. Denominada arqueologia evolutiva ou darwiniana, esta corrente tenta aplicar modelos evolutivos (que pouco ou nada tem a haver com o famigerado darwinismo social) para responder a uma das mais importantes questões em arqueologia: porque mudam as sociedades ao longo do tempo?



Haverá tempo para falar mais demoradamente sobre a arqueologia evolutiva. Mas a contribuição de Darwin para a compreensão das sociedades e culturas humanas não se esgota aqui. Numa recente edição da revista Science foi publicado um artigo sobre as origens da religião. Esta é uma questão que interessa a arqueólogos, antropólogos, biólogos e neurologistas. É uma área de investigação necessariamente multidisciplinar e filosoficamente estimulante (porventura mesmo inquietante). Se os biólogos querem saber quais as vantagens evolutivas (se as houver) da religião, e os neurologistas se a crença em agentes invisíveis (leia-se deuses) é algo inerente ao processo cognitivo humano, os arqueólogos interessam-se sobre as características simbólicas da religião e tentam saber quando esta aparece.


Outro exemplo do impacto de Darwin na arqueologia encontra-se numa das suas obras não tão populares, de 1868 “The variation of animals and plants under domestication”. Nesta obra Darwin debruça-se sobre a selecção artificial de plantas e animais domesticados por seres humanos. Esta publicação viria a impressionar Nikolai Vavilov e inspirá-lo a propor a sua teoria dos centros de origem das principais plantas cultivadas. É discutível o grau de influência directa desta obra na arqueobotânica e arqueozoologia aplicadas à questão da origem da agricultura, mas ainda hoje muito do que sabemos sobre o início do Neolítico reside na identificação nos vestígios arqueológicos de animais e plantas domesticadas de características que os distingam dos seus antecessores selvagens. Isto foi algo que Darwin estudou exaustivamente.


PS – o título deste “post” é francamente infeliz e envergonho-me dele.

2 comentários:

  1. Tenho de admitir que parte de mim acha o Lamarckismo muito "cool"! A ideia de que nos podemos aprimorar consoante as nossas necessidades e transmitir os caracteres adquiridos à nossa descendência é muito apelativa. No entanto, ainda bem que essa teoria é uma fantasia! Imagino que surgiriam Hitlers a torto e a direito por aí!

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  2. Para quem se interessar pela religião, e na sua perspectiva evolutiva que o Hugo referiu, aqui fica uma outra referência:


    Evolutionary Perspectives on Religion
    Pascal Boyer and Brian Bergstrom1

    Annual Review of Anthropology
    Vol. 37: 111-130 (Volume publication date October 2008)
    (doi:10.1146/annurev.anthro.37.081407.085201)

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