domingo, 30 de maio de 2010

O Ardipithecus Tem Futuro Como Nosso Antepassado?

O último número da Science encerra uma discussão relativa à linhagem do Ardipithecus ramidus e da sua alegada posterioridade à divergência entre humanos e chimpanzés. White e colegas passaram os últimos anos a analisar os restos fósseis deste primata extinto e publicaram os resultados no ano passado. No seu entender, este género surgiu após a divergência entre a linhagem que deu lugar ao chimpanzé e a linhagem que originou o género Homo. Sarmiento et al. (2010) disputam agora esses resultados e defendem que os caracteres morfológicos utilizados como evidência da sua pertença à clade humana por oposição à dos chimpanzés não são exclusivos da primeira. Pelo contrário, argumentam que estão também presentes em primatas extintos anteriores à divergência.

Num segundo ponto, Sarmiento et al. (2010) consideram que as evidências físicas de bipedismo habitual ou facultativo indicadas pela equipa de White não são exclusivas dessa forma de locomoção, porque servem também os requisitos mecânicos do quadrupedismo. Com base nestes argumentos, argumentam que o A. ramidus não faz parte da linhagem do homem moderno após a sua divergência com o chimpanzé.

A leitura do artigo suscitou-me algumas questões que são aliás focadas na resposta de White et al. (2010) publicada no mesmo volume da Science. Ao ler o texto, fica a impressão que a equipa de Sarmiento seleccionou os dados mais favoráveis às suas alegações esquecendo outros mais problemáticos. Por exemplo, afirmam que o último antepassado comum (last common ancestor no original) dos chimpanzés e humanos modernos terá vivido entre 3 e 5 milhões de anos antes do Presente. Porém, esquecem-se de mencionar que grande parte das estimativas recuam a data para 6, 7, 8 ou mesmo mais milhões de anos. Neste cenário, o A. ramidus não poderia ser anterior à divergência, visto que tem cerca de 4,4 milhões de anos.

Por outro lado, também os caracteres morfológicos discutidos acabam por deixar de fora um dos critérios mais habitualmente utilizados para inferir o bipedismo a partir do esqueleto: a posição do foramen magnum. Esta estrutura encontra-se na base do crânio e articula com a primeira vértebra cervical. No homem moderno, o foramen magnum encontra-se numa posição anterior indicativa de bipedismo. Em relação a nós, esta estrutura encontra-se numa posição mais posterior no crânio do chimpanzé e por seu lado, no A. ramidus apresenta uma posição intermédia entre aqueles e os humanos modernos. Aliás, o registo fóssil demonstra uma evolução do foramen magnum que foi adoptando gradualmente uma posição cada vez mais anterior. Esta evolução acompanhou a do bipedismo para formas cada vez mais bem adaptadas que atingiram grande eficiência com o género Homo.

Tal como White et al. (2010) afirmam, as explicações de Sarmiento et al. (2010) não são as mais parcimoniosas. Falta-lhes simplicidade e uma visão mais geral do registo fóssil. Por enquanto, as novas alegações relativas a uma provável anterioridade do A. ramidus em relação à divergência Homem/Chimpanzé parecem ter pouco suporte, mas tal não significa que aquele pertença de facto à linhagem humana. Pode tratar-se de um simples beco evolutivo. Veremos no futuro o que este debate nos reserva.
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Sarmiento, E. et al. (2010). Comment on the Paleobiology and Classification of Ardipithecus ramidus Science, 328 (5982), 1105-1105.

White, T., Suwa, G. and Lovejoy, C. (2010). Response to Comment on the Paleobiology and Classification of Ardipithecus ramidus Science, 328 (5982), 1105-1105.

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