A discussão entre o uso de AC/DC (BC/AD) ou ANE/NE (BCE/EC) nas referências cronológicas em Arqueologia parece ter sido evitada em Portugal. Uns autores adoptam uma fórmula, outros preferem outra, entre a permanência e a mudança. Li poucas vezes uma justificação para qualquer escolha. Como excepção existe o texto de Rui Mataloto e Rui Boaventura, de 2009, acerca do Neolitico e Calcolitico do Sul de Portugal, publicado na Revista Portuguesa de Arqueologia e disponível aqui. Dizem os autores:
"Optou ‑se neste trabalho pela denominação de “antes da nossa Era” (a.n.e.) e “Era comum”ou “Era corrente” (e.c.), ao invés da antiga designação a.C. (antes de Cristo) e d.C. (depois de Cristo), visando uma perspectiva laica e menos comprometida culturalmente, também assumida por outros autores"
Num outro blogue (ver Aqui) podemos ver uma outra abordagem acerca do tema. Aconselho os leitores a seguirem os links que a autora disponibiliza, lerem os diversos posts e comentários pois existem algumas ideias interessantes.
Normalmente a discussão coloca-se nestes termos: um modelo cronológico de base religiosa ou laica? Mas, "antes da nossa era" é verdadeiramente laico? AC/DC deve ser usado só porque é o mais usado há mais tempo?
A minha opinião vou deixar num comentário a este post.
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Eu sou um defensor da manutenção da expressão "Antes de Cristo", mesmo sendo ateu, embora ache que o ideal fosse utilizar uma data culturalmente mais neutra. O uso de BP, por exemplo, apresenta alguns inconvenientes.
ResponderEliminarCreio que "Antes da Nossa Era" limita-se a disfarçar a conotação religiosa do sistema cronológico. Na verdade, até arrisco a dizer que a.n.e. tem uma conotação religiosa mais marcada do que AC visto a segunda reportar-se unicamente à suposta data de nascimento de Jesus Cristo, enquanto que a.n.e. não só reporta para o mesmo evento, o nascimento de Jesus Cristo, mas também afirma essa data como marco da "nossa" Era.
O uso de BP tem determinados inconvenientes, tais como o de apresentar o Presente como o ano de 1950, que já não é presente há seis décadas. Terá pouco impacto para quem estuda Pré-história antiga mas é mais significativo para quem estuda períodos mais recentes. Podemos entender o Presente de BP como algo convencional que não signifique necessariamente que estamos a falar dos dias de hoje, no entanto, isso iria gerar confusão, em especial tendo em conta que a literatura arqueológica é lida por públicos muito vastos.
Em jeito de brincadeira, Kris Hirst (em http://archaeology.about.com/b/2006/05/27/ad-vs-ce-battle-rages-on.htm) brinca com a situação e sugere a data de 1945 como novo marco cronológico (BAA - Before Atomic Age; BA - Atomic Age). A brincar a brincar muitas verdades são ditas...
De qualquer forma, o essencial é que as revistas não imponham aos autores uma designação, pelo menos entre aquelas que se encontram generalizadas... sem permitir o absurdo.
ResponderEliminarAntes de la era común/convencional. Se impondrá porque ya se ha impuesto en inglés.
ResponderEliminarPero yo reharía el calendario completo para que empiece en 1917, honestamente o al menos en algún acontecimiento laico como la vuelta al mundo de Elkano, el viaje espacial de Yuri Gagarin o la proclamación de la Declaración Internacional de Derechos Humanos (eso sería bastante neutral). Es bastante poco adecuado que tengamos que usar un calendario sectario como es el cristiano por meras razones históricas: se hace necesario un calendario laico, que sea neutral para todas las creencias.
Tenho algumas dúvidas de que BCE (Before Common Era ou Before Christian Era) está a impor-se na literatura de língua inglesa. Basta ver o Post que cito no texto para perceber que a maior parte das revistas especializadas que dá indicação aos autores acerca deste assunto ainda prefere BC/AD. Talvez nas publicações generalistas o caminho seja diferente.
ResponderEliminarVamos ver o que o tempo nos dirá.
A questão que colocas não é nova, mas na bibliografia portuguesa, e mesmo espanhola, não consegui encontrar publicação que assumisse o porquê da escolha mais laica (ANE/a.n.e. e NE/n.e. e em inglês BCE/CE). Eu fi-lo na minha tese em 2009, com maior detalhe do que no artigo que mencionas, mas em Espanha onde vários materialistas históricos a têm usado há pelo menos duas décadas, não referem o motivo dessa alteração (pelo menos não a encontrei)- até a pista maoísta segui sem grande sucesso! Mas não esqueçamos que a disciplina histórica tal como a exercemos mundialmente é uma herança civilizacional cristã ocidental. Ora, o eurocentrismo (aqui incluindo a América do Norte) ainda subsiste e um desses sinais é com certeza a utilização da velha nomenclatura a.C./d.C. (BC/AD). De facto, falar da era de Cristo, sem mencioná-lo directamente, pareceu-me uma forma mais laica e menos ofensiva do discurso científico, já ele cheio de subjectividades e agendas, como qualquer actividade humana.
ResponderEliminarO exercício de Kirsk peca pela falta de dados detalhados - é que em muitas das referidas publicações a nomenclatura é imposta, pelo que a liberdade científica de dizer o mesmo com diferente sigla, é impedida - os Trabajos de Prehistoria, a única revista com peer review da PIb obriga à velha nomenclatura. Penso que será algo que se alterará lentamente, à medida que os defensores acérrimos da velha nomenclatura derem lugar a novas gerações. Por exemplo na RPA essa conquista foi alcançada por agora - nunca se sabe se algum novo director mais saudosista obrigue todos a seguir uma só nomenclatura.
Não discuto o BP, pois isso é trazer de facto muito mais confusão aos cálculos cronológicos. Mais ainda do que as alterações medievais e as conversões dos calendários islâmicos e budistas, etc. Pode dar jeito para períodos antigos mas perde o seu sentido para períodos do Mesolítico em diante.
Muito mais importante é discutir a forma correcta como esta nomenclatura é utilizada em consonância com as datas calibradas: vê-se de tudo - em Espanha bem pior que em Portugal (e isso deve-se PC e AMS), mas mesmo no nosso quintal há ainda investigadores, inclusive professores universitários, que não sabem apresentar correctamente um datação de 14C! Além da curva de calibração, a data BP (não calibrada) e o código laboratorial, uma data calibrada deve ser referida como cal BC ou BCE e nunca cal ANE como é frequente ver-se (pelo menos até existir uma curva de calibração ou uma programa em castelhano ou português). A sigla a.n.e. é apenas indicada para o discurso histórico.
Enfim, por uma questão de liberdade individual, e porque não colide nem prejudica o discurso científico (assim seja sempre clarificada), pretendo continuar a utilizar a nomenclatura a.n.e./e.c. ou BCE/CE.
Eu respeito cada escolha, embora não considere a opção BCE mais laica do que BC, como expliquei no primeiro comentário.
ResponderEliminarAcima de tudo, creio que cada autor deve ter oportunidade de utilizar a expressão que entender. No entanto, as revistas já fazem coisas bem piores: entregam os textos a revisores de texto especializados que os moldam de forma a que todos os textos da revista tenham o mesmo estilo até parecer que foram escritos pelo mesmo autor.
Apesar de ateu, humanista e francamente de esquerda, acho um disparate subsituir-se os tradicionais BC/AD (AC/DC) com base no argumento do laicismo. Parece-me uma daquelas imposicoes descabidas do "politcamente correcto" muito em voga nas ciencias sociais pos-modernas.
ResponderEliminarUsar "a.n.e" (BCE) parece-me muito mais "colonialista" e "eurocentrico". Ao menos a refrencia ao nascimento de Cristo reporta imediatamente a um contexto cultural especifico e bem definido (Cristao ou "Ocidental"). "Nossa" ou "Common" era parece-me muito mais insidioso. "Nossa"? Quem sao estes "no*s"? A que "common" se refere? Ao colectivo da humanidade? Aos Europeus ou Americanos? E quem exclui? Entao agora temos o direito de definir cronologias para todas as culturas? Ou de excluir e incluir culturas sem as definirmos concretamente.
Ja vi algumas vezes artigos sobre historia Islamica em que as datas aperecem sempre em BC e em AH (Anno Hegirae). Ou datas em AM (Anno Mundi) se existir referencias a contextos judaicos. Isto parece-me a atitude correcta e mais respeitavel.
O BC/AD e* uma convencao e as convencoes surgem em contextos culturais especificos mas se forem uteis e praticos mantem-se inalterados ate que se perde a razao da sua origem, como a divisao do dia em 24 horas dos Babilonicos (cada meio dia tem uma hora correspondente aos 12 signos do Zodiaco), o metro como medida do Napoleao ou as varias abreviaturas derivadas do latim (i.e., etc...), tambem elas introduzidas mundo fora pela cultura Europeia mas que nao parecem suscitar tanta celeuma.