segunda-feira, 29 de novembro de 2010
Neanderthal-dooby-doo, where are you?
Apesar de ter ocupado e explorado uma área extensíssima que compreende grande parte do território europeu e algumas das regiões mais ocidentais da Ásia, este tão bem-sucedido hominídeo acabou, como tantos outros antes dele, por definhar e deixar menos frondosa a árvore referente à linhagem humana. A sua sobrevivência resume-se hoje a uma pequena participação no nosso património genético actual, cuja expressão fenotípica aparenta ser de tal forma diminuta que apenas a sequenciação do ADN nuclear foi capaz de a confirmar sem margem para dúvidas. A Península Ibérica tem sido apontada como local do último reduto Neandertal, inferência feita essencialmente a partir da cultura material que a arqueologia tem apresentado ao Mundo. Porém, por comparação com os achados humanos descobertos em Espanha, o nosso próprio pecúlio tem sido reduzido e algo desapontante. Resume-se a um punhado de dentes e ossos desarticulados, sendo que os mais recentes achados têm a Gruta da Oliveira (Torres Novas) como proveniência. Dada a escassez de restos humanos encontrados neste rectângulo à beira-mar plantado, é legítimo questionar a que razão ou razões se deve este cenário e o que podemos fazer para o alterar. Questionámos alguns dos especialistas nacionais acerca desta questão e apresentamos aqui as suas perspectivas em discurso directo.
Para João Zilhão – Professor em Arqueologia Paleolítica na Universidade de Bristol – a causa para este cenário é clara. Encontrei restos humanos em todas as jazidas que escavei, incluindo as do Paleolítico Médio. Se há menos em Portugal do que noutros lados a razão é simples: é que em Portugal se escava muitíssimo menos. Não há menos restos, há menos escavações.
Esta visão é em parte partilhada pelo Director do Museu Nacional de Arqueologia, Luís Raposo. Poderá ser a pouca investigação (escavação) moderna, especialmente em grutas, já que em sítios de ar livre é mais raro encontrar fósseis humanos, aqui ou noutros países. Porém, Raposo acredita que esse não é o único factor explicativo. A verdade é que não foi ainda encontrada em Portugal nenhuma gruta com uma ampla ocupação do Paleolítico Médio. Pelo contrário, ocorre que em quase todas as grutas onde se registaram presenças do Paleolítico Médio estas são muito discretas, quase vestigiais, mesmo quando nos níveis superiores existem densas ocupações do Paleolítico Superior. A única excepção poderá ser a Gruta Nova da Columbeira, que possui uma ocupação intensa do Paleolítico Médio e uma ausência de vestígios do Paleolítico Superior, devida talvez à circunstância de a cavidade ser já infrequentável pelo homem nessa fase. Foi aqui que se recolheu o mais antigo resto neandertalense descoberto em Portugal, mas apenas um fragmento de dente, quando a fauna é abundante. Terão os métodos de escavação usados deixado passar outros vestígios? Não sei.
Luís Raposo tende a considerar que este padrão de menor ocupação das grutas durante o Paleolítico Médio nesta Finisterra portuguesa é real e já o procurou explicar através de padrões de ocupação do território [cf., por exemplo, RAPOSO, L. (1995) - “Ambientes, territorios y subsistencia en el Paleolítico Medio de Portugal”, Complutum, nº. 6, Madrid, pp. 57-77].
Também as condições climáticas gerais poderiam ir no mesmo sentido. A ideia do homem de Neandertal como um “bruto troglodita” é totalmente errónea. Nem eram assim desprovidos de capacidades intelectuais, nem tinham gosto especial por habitar em cavernas. Ora, numa região em que o clima nunca tivesse atingido os rigores glaciários da Europa mais setentrional, é fácil pensar que os bandos de Neandertais ocupariam preferencialmente os vales dos rios e os maciços periféricos a baixa altitude, vivendo principalmente em acampamentos de ar livre e sendo por isso mais “invisíveis” hoje no registo arqueológico. Admito também que, ainda por cima, fossem menos, quer dizer que houvesse uma menor densidade populacional, mas quanto a isso apenas podemos por agora ter “impressões”.
Nuno Bicho, professor na Universidade do Algarve afirma que a questão é interessante e muito relevante no estudo da Pré-história portuguesa e, infelizmente, aplica-se também a outros momentos da Pré-história Antiga, como é o caso do Paleolítico Inferior. Na sua perspectiva, parece haver um conjunto alargado de factores limitadores do número e qualidade de sítios arqueológicos do Paleolítico Médio em Portugal. Provavelmente, há quatro factores principais: o reduzido número de investigadores em Paleolítico e especificamente em Paleolítico Médio; o deficiente treino e ensino em Paleolítico e em análise de indústria líticas; a falta de trabalho de prospecção dedicada ao Paleolítico; e o contexto da geologia e da geomorfologia.
De facto, no âmbito académico há apenas, neste momento três docentes universitários (nas Universidades do Minho, Lisboa e Algarve) que se especializaram e que fazem investigação continuada nesse período. O resultado prático é que o número de alunos que se interessam por Paleolítico é reduzido nos cursos de licenciatura de Arqueologia e, naturalmente, por razões demográficas, diminui sensivelmente conforme se avança no grau académico. Apesar de tudo, temos um conjunto de recém-doutorados e de doutorandos apreciável em Paleolítico, atendendo ao número total de alunos de Arqueologia. Mas também é verdade que o número de alunos que trabalha em Paleolítico Médio é reduzido – tomando a Universidade do Algarve como exemplo (talvez como referência?), existem neste momento 12 doutorandos, dos quais 8 trabalham em Paleolítico (ainda que nem todos tenham esse período como foco da sua tese) e desses 8 não há nenhum a trabalhar em Paleolítico Médio. Do conjunto de investigadores da Universidade do Algarve, eu incluído, há cerca de uma dúzia de pessoas a trabalhar em Paleolítico, e apenas duas trabalham directamente, ainda que não exclusivamente, com Paleolítico Médio.
Para Nuno Bicho, o ensino de matérias relacionadas com o Paleolítico, bem como de especialidades fundamentais no seu estudo como é a geoarqueologia, a arqueometria e a zooarqueologia, é claramente deficiente na maior parte das universidade portuguesas, principalmente no caso das licenciaturas. Unidades curriculares (para aqueles que estão afastados dos estudos superiores há algum tempo, este termo significa “disciplinas”) dedicadas a análise de materiais líticos são raríssimas em Portugal e, claro, se um aluno não souber reconhecer artefactos líticos talhados, muito dificilmente irá encontrar sítios arqueológicos da Pré-história antiga.
O terceiro factor é o do tópico da investigação – raramente em Portugal aparecem projectos de investigação dedicados inteiramente à prospecção arqueológica e, claro, menos ainda dedicados ao Paleolítico. O resultado é que os poucos sítios Paleolíticos que se encontram hoje são revelados acidentalmente ou através de estudos de impacto. Como um grande número de arqueólogos não tem a preparação suficiente para reconhecer artefactos líticos paleolíticos, estes sítios não são encontrados.
Contudo, parece que apesar de todos estes factores condicionantes, deveria haver mais sítios arqueológicos. A verdade é que nos últimos 20 anos, o número de sítios arqueológicos do Paleolítico Superior verdadeiramente importante cresceu exponencialmente (Cabeço do Porto Marinho, Lagar Velho, Vale Boi, Picareiro, Coelhos, Anecrial), o que não aconteceu relativamente ao Paleolítico Médio – de facto, com a excepção dos trabalhos de João Zilhão no Complexo Arqueológico do Almonda, especialmente na Gruta da Oliveira e, mais recentemente, o de Jonathan Haws em Mira Nascente (ainda que com outra dimensão), não houve outros sítios novos de Paleolítico Médio verdadeiramente relevantes. Esta falta de sítios do Paleolítico Médio deve-se muito provavelmente às condições geológicas das jazidas com esta cronologia. É possível que se encontrem soterradas por baixo de coluviões mais recentes ou em terraços fluviais e marinhos de grande potência que dificultam a sua detecção. É também claro que em alguns pontos do país, nomeadamente o Algarve, se deu, provavelmente durante o Holocénico antigo, a erosão completa de terraços e outros depósitos do Pleistocénico Superior. E assim, perderam-se inúmeros sítios arqueológicos datados do Paleolítico Médio.
Em relação aos factores geológicos, seria talvez interessante fazer um levantamento completo e sistemático das condições de jazida de todos os sítios arqueológicos do Paleolítico Médio de forma a, e com base nesse estudo, desenvolver padrões preditivos de localização de jazidas Moustierenses. Este trabalho foi feito para o Paleolítico em geral para o vale do Sado por uma equipa canadiana, com base nos dados de um projecto meu de prospecção paleolítica para o Algarve. Naturalmente, foram encontrados um conjunto razoável de sítios arqueológicos, nomeadamente alguns do Paleolítico Médio e que, espera-se, sejam aceites para publicação em breve.
Aqui ficaram os relatos de três especialistas nacionais, a quem muito agradecemos a sua colaboração. Do seu discurso resulta a ideia que ainda muito há a fazer para colmatar algumas das lacunas que o nosso registo arqueológico apresenta em relação a achados humanos. Porém, também fica a ideia que esse registo irá ser gradualmente enriquecido por novas descobertas à medida que o investimento em investigação, recursos materiais e recursos humanos for aumentando. Aqui estaremos para dar conta desses novos achados.
sexta-feira, 26 de novembro de 2010
TSF/IGESPAR: As hortas monásticas: Santa Clara-a-Velha
Dois dos relatórios do CIPA referentes aos trabalhos realizados com amostras recolhidas em Santa Clara-a-Velha encontram-se disponíveis aqui (Trabalhos do CIPA 97, parte 1), aqui (Trabalhos do CIPA 97, parte 2) e aqui (Trabalhos do Cipa 108). São trabalhos muito ricos em informação, justificando assim o título do programa de rádio que irá para o ar hoje ou amanhã (os sites da TSF e do IGESPAR apresentam datas diferentes) e que, posteriormente poderá ser ouvido no site da TSF ou seguindo o link do site do IGESPAR.
Eis a apresentação do programa como disponível no site do IGESPAR:
“As hortas monásticas: Santa Clara-a-Velha”
A vida quotidiana dos Mosteiros é geralmente uma temática menos explorada face ao conhecimento desenvolvido em torno dos seus aspectos artísticos. Porém, a implementação de programas interdisciplinares permitem aprofundar a informação sobre estes locais, nomeadamente através das arqueociências que nos devolvem um olhar mais completo sobre os locais. Foi precisamente o que se passou no Mosteiro de Santa Clara-a-Velha, passando-se a conhecer um pouco melhor os seus hábitos alimentares ou a produção que se fazia nas hortas, por exemplo. O actual projecto da “horta monástica de Santa Clara-a-Velha” visa precisamente articular o conhecimento desse passado com as actuais preocupações de natureza ambiental e de sustentabilidade. Estas são algumas das questões a explorar pelo jornalista Manuel Vilas – Boas que conversa com o Professor Saul Gomes Mendes, os Drs Artur Corte Real e Lígia Gambini e a Engª Elsa Canavarro.
quinta-feira, 25 de novembro de 2010
JIA 2010
"As IV Jornadas de Jovens em Investigação Arqueológica - JIA 2011 – são um evento científico realizado por e para investigadores (não doutorados) em Arqueologia, que irá realizar-se de 11 a 14 de Maio de 2011, no Campus Gambelas da Universidade do Algarve (www.jia2011.com). Neste sentido, irá ser proposta uma sessão sob o tema:
'Novas abordagens em arqueologia: tecnologias digitais e metodologias computacionais'.
Os objectivos desta sessão consistem em debater tecnologias inovadoras que nos ajudem a investigar, compreender e visualizar a dinâmica de padrões socioculturais através dos tempos, bem como representar o património cultural; partilhar novas perspectivas sobre métodos computacionais aplicados à arqueologia; e incentivar o diálogo entre os participantes sobre as questões teórico-metodológicas inerentes.
Esta sessão não se encontra dirigida a nenhuma área de estudo ou período cronológico/cultural específicos, de modo a permitir a contribuição de um maior número de participantes.
Desta forma, procuramos contribuições que avancem o estado da arte das tecnologias e metodologias disponíveis, que contribuam para a resolução de questões arqueológicas específicas, nomeadamente:
•Simulação arqueológica e modelos preditivos;
•Modelos baseados em agentes;
•Inteligência artificial;
•Captura 2/3/4D (fotogrametria, laser, luz branca estruturada), processamento e análise digital de dados;
•Morfometría geométrica;
•Métodos quantitativos;
•Visualização, colecções digitais e representação virtual do património.
Aos interessados em participar nesta sessão, pedimos que nos enviem o respectivo tema de comunicação e contactos (nome, instituição, email, telefone) para veramoitinho@gmail.com até 30 de Novembro, de maneira a incluir na proposta a enviar à comissão organizadora do JIA.
Gratas pela atenção,
Vera Moitinho de Almeida
(Universitat Autònoma de Barcelona)
Florencia del Castillo
(Universitat Autònoma de Barcelona)"
quarta-feira, 24 de novembro de 2010
Smithsonian: Bolsa Post-Doc
2011 call for Smithsonian Interdisciplinary Post-doctoral Fellowship
The Office of Fellowships (Undersecretary of Science at the Smithsonian Institution) is offering an Interdisciplinary Postdoctoral Fellowship in the area of stable isotope sciences. Research proposals must integrate the use of stable isotopes (2H/1H, 13C/12C, 15N/14N, and 18O/16O) into their specific research questions. The successful applicant will conduct analyses at one of the two Pan-Institutional isotope facilities (OUSS/MCI Stable Isotope Mass Spectrometry Facility in Suitland, MD or at the Smithsonian Tropical Research Institute, Panama City, Panama). Applicants interested in this fellowship are strongly encouraged to contact potential advisors/hosts at any of the Smithsonian's various Museums and Research Units prior to proposal preparation and submission. Please consult the research staff listed for the Museum, Research Units, and Offices at the links to Smithsonian Opportunities for Research and Study below.
Applicants must propose to conduct research in-residence for a period of 12months, at least 4 months of which will be spent on-site at the MCI or STIR laboratory. Applicants must have completed or be near completion of the Ph.D. Recipients who have not completed the Ph.D. at the time of application must provide proof of completion of the degree before the fellowship begins. Please go to http://www.si.edu/research+study for details on the SI fellowship program. Applications must be submitted by Jan. 15, 2011. Access to the online application system and information regarding the necessary materials can be found at http://www.si.edu/ofg/Applications/SIFELL/SIFELLapp.htm
For additional information on the OUSS/MCI Stable Isotope Mass Spectrometry Facility in Suitland, MD (http://si.edu/mci/irms/index.htm) contact Christine France (francec@si.edu), Peter Marra (marrap@si.edu), or Jeff Speakman (speakmanj@si.edu)
JIA 2011 - Abordagens interdisciplinares à interacção Homem-Natureza
Abordagens interdisciplinares à interacção Homem-Natureza
(Interdisciplinary approaches to Human-Nature interactions)
Pretende-se com esta sessão juntar em debate investigadores das mais diversas áreas temáticas, desde a Arqueologia Ambiental à Arqueologia da Paisagem. Trata-se de uma sessão temática e cronologicamente abrangente, versando, a título de exemplo, os seguintes temas:
- Modelos de utilização dos recursos geológicos e biológicos por parte do Homem,
- Dinâmicas territoriais e de povoamento, e
- Inter-relação entre alterações ambientais e dinâmicas sócio-culturais.
Caso estejam interessados em contribuir com comunicações peço que me contactem até 5 e Dezembro através do e-mail jptereso@gmail.com fornecendo os seguintes dados:
- Nome
- Instituição (se aplicável)
- Contacto (e-mail)
As comunicações estão circunscritas a não doutorados.
terça-feira, 16 de novembro de 2010
Pedoantracologia
quinta-feira, 11 de novembro de 2010
Datações de radiocarbono e dados climáticos para a Neolitização no Próximo-Oriente
terça-feira, 9 de novembro de 2010
Conferências no MNA
A investigadora Susana Carvalho (Leverhulme Centre for Human Evolutionary Studies, University of Cambridge/Centro de Investgação em Antropologia e Saúde, Universidade de Coimbra) dará uma palestra amanhã às 18 horas no Museu Nacional de Arqueologia. Intitulada "As origens do Olduvaiense: serão os chimpanzés bons modelos para a evolução das primeiras tecnologias em Africa?", esta comunicação é realizada no âmbito do ciclo de conferências co-organizado pelo MNA, pelo Grupo de Estudos em Evolução Humana e pelo Núcleo de Arqueologia e Paleoecogia da Universidade do Algarve.
domingo, 7 de novembro de 2010
Trabalho de Campo no Sudão
The Amara West research project, based at the British Museum is currently looking for a person to join the fieldwork in the cemeteries at Amara West, Sudan from early January to late February 2011.
Experience required:
- sufficient experience in excavation, recording and documentation (digital and non-digital) of human remains and burials
- working in hot and dry climates
- supervision of a team of local workmen (knowledge of Arabic is not required)
Accommodation will be basic and provided in a mudbrick house in a village on Ernetta Island, with 2-3 people sharing a room, electricity is confined to evening hours, running water is very scarce.
Please note that this is an unpaid job. However, all expenses (travel, accommodation, food, medication) will be covered during the time of the project.
For further information on the project see: http://www.britishmuseum.org/research/research_projects/amara_west_research_project.aspx
Applications including a CV and two references can be sent directly to the project director Dr. Neal Spencer: nspencer@thebritishmuseum.ac.uk Deadline for application is November 20th.
For any general questions regarding the job or project please contact Michaela Binder: michaela.binder@durham.ac.uk
sábado, 6 de novembro de 2010
Arqueociências na TSF
A entrevista focou a importância da Arqueozoologia, Paleobotânica, Paleotecnologia Lítica e Paleobiologia Humana para a reconstrução e compreensão do Passado. A entrevista pode ser escutada integralmente aqui.