sábado, 27 de fevereiro de 2010

Revisão por pares (peer review) alvo de criticas

O funcionamento do sistema de revisão por pares (peer review) tem sido questionado por diversas vezes. Hoje em dia, questionar a revisão por pares é questionar todo o sistema de validação do conhecimento científico.

Um texto intitulado “Turning peer review into modern-day holy scripture” divulgado na passada semana em http://www.spiked-online.com/index.php/site/article/8227/ Frank Furedi coloca o dedo na ferida. O autor aponta alguns dos vícios do sistema.

Diz o autor:

“the individuals who constitute a ‘community of experts’ also tend to be preoccupied with their own personal position and status. Often, the colleagues they are reviewing and refereeing are their competitors and sometimes even their bitter rivals. The contradiction between working as a member of an expert community and one’s own personal interests cannot always be satisfactorily resolved”.

E continua:

“all too often the question of who gets published and who gets rejected is determined by who you know and where you stand in a particular academic debate”.

Lista ainda três formas de adulteração do sistema de revisão por pares:

“First, there is the genuine mistake.

Second, there is the damaging influence of nepotism and professional jealousy.

The third, and in recent years the most disturbing, threat to the integrity of the peer-review system has been the growing influence of advocacy science.”

O autor aponta como principal exemplo da subversão do sistema de revisão por pares o debate em torno do aquecimento global e o já amplamente conhecido climategate. Denotam-se grandes dificuldades em publicar dados que contrariem as ideias vigentes e, quando a publicação é conseguida, questiona-se o carácter científico da própria revista ou a qualidade da revisão: “it is simply unthinkable that a publication that questions the prevailing consensus could have been properly reviewed”.

São mencionadas ainda acusações de atrasos propositados nas revisões de modo a que textos dos próprios revisores ou de membros do seu grupo de investigação, visando os mesmos temas, fossem publicados antes como portadores de novidades científicas.

Apesar das subversões, o autor acaba por considerar que este é ainda o melhor sistema de validação: “Nevertheless, peer reviewing has traditionally, at least, been the most effective way of exercising quality control over the proposals and output of the scholarly and scientific communities.”

Aconselho a leitura do texto em questão em http://www.spiked-online.com/index.php/site/article/8227/

Espero que possamos trocar aqui umas ideias acerca do assunto.

A quem possa interessar.

De 1 de Março a 31 de Maio estão abertas as candidaturas de apoio da Fundação Calouste Gulbenkian a projectos de investigação na área da Arqueologia.

http://www.gulbenkian.pt/section65artId430langId1.html

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Os primeiros agricultores sem evidências directas de agricultura

É constrangedor o ponto em que se encontra o “estado da arte” de diversas temáticas arqueológicas em Portugal e várias regiões de Espanha. Um bom exemplo diz respeito ao início das práticas agrícolas - vejam o excelente artigo de Zapata et al (2004).

Em pesquisas acerca do NW peninsular encontro unicamente dois sítios do Neolítico antigo com sementes de espécies domésticas: Buraco da Pala (com vários cereais) e Morcigueira (com Brassica/Sinapis). Infelizmente, em ambas as jazidas as datações de radiocarbono não foram obtidas sobre sementes, mas sim sobre carvões, apesar de as sementes serem abundantes. Isto constitui um problema pois o que poderia ser uma evidência directa de agricultura passa a ser indirecta e susceptível de ser questionada – a antiguidade das sementes do Buraco da Pala foi questionada por Monteiro-Rodrigues et al. (2008); a Morcigueira é claramente um sítio problemático do ponto de vista estratigráfico (Ramil-Rego et al. 1990).

Resta-nos os abundantes dados das sequências palinológicas obtidas na Galiza. Estes apontam para uma tardia presença de pólen de cereal – meados do V milénio cal BC – à semelhança do que acontece na Cantábria. No entanto, tendo em conta que o pólen de cereal é pesado podemos questionar qual a probabilidade deste surgir em sequências polínicas quando estas são, na sua maioria, obtidas em locais de montanha.

Muito resta por investigar nesta área. Por ora algo é evidente: é urgente escavar e fazer recolhas sistemáticas de sedimentos para flutuação.

Referências:

Monteiro-Rodrigues, S., I. Figueiral, López-Sáez, J. (2008). Indicadores paleoambientais e estratégias de subsistência no sítio pré-histórico do Prazo (Freixo de Numão – Vila Nova de Foz Côa – Norte de Portugal). III Congresso de Arqueologia de Trás-os-Montes, Alto Douro e Beira Interior – Debates no Vale do Côa.

Ramil-Rego, P., M. Aira Rodriguez, et al. (1990). "Donnes paleobotaniques sur la presence de graines de Brassicaceae au N.O. de la Peninsule Iberique." Revue de Paléobiologie 9(2): 263-272.

Zapata, L., L. Peña-Chocarro, et al. (2004). "Early Neolithic Agriculture in the Iberian Peninsula." Journal of World Prehistory 18(4): 283-325.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

sábado, 20 de fevereiro de 2010

Arqueologia e Genómica, parte I - o genoma que veio do frio

A arqueologia colabora com a genética (ou mais actualmente, a genómica) humana em três campos: no estudo de DNA de populações modernas, no estudo de DNA recuperado de vestígios arqueológicos… e no sensacionalismo mediático.

No passado mês foram publicados três artigos que ilustram bem estes cenários.

O artigo publicado por Rasmussen et. al [1] na semana passada reporta a primeira sequenciação do genoma dum ser humano antigo (neste caso um Paleo-Esquimó da cultura Saqqaq). Um esclarecimento. O mundo do DNA antigo é um de aguerridas rivalidades (porventura nada de estranho para o leitor arqueólogo). Mas, dum modo geral, a comunidade cientifica neste campo reconhece os grupos que pautam a sua investigação por uma ética rigorosa e por uma abertura total à partilha, verificação e, se possível, falsificação dos resultados obtidos. O grupo que Eske Willerslev lidera goza da reputação de ser, actualmente, um dos melhores em DNA antigo.

Nos últimos seis ou sete anos assistiu-se na biologia molecular à revolução da segunda geração de tecnologias de sequenciação [2,3,4] (Roche-454; Illumina’s SOLEXA; ABI SOLiD;). Para ter uma ideia do avanço que estas tecnologias constituem, o Projecto Genoma Humano iniciou-se em 1990 e demorou treze anos a produzir o primeiro esboço da sequencia (a ordem de A, C, T e Gs ao longo da molécula de DNA) do genoma completo dum ser humano. O Projecto 1000 Genomas, iniciado em 2008, espera em dois anos ter a informação do genoma de 1000 indivíduos. Irá produzir nestes dois anos 60 vezes mais informação sobre sequencias de DNA humano do que toda aquela que foi produzida nos últimos 25 anos!

from Medini D. et al. 2008. Microbiology in the post-genomic era. Nature Reviews Microbiology 6: 419-430.


Com base nestas tecnologias, o grupo de Rasmussen conseguiu sequenciar 20 vezes (a precisão e exactidão duma sequencia de DNA exige replicação) 79% do genoma dum indivíduo morto há 4.000 anos (baptizado pelos investigadores com o nome de “Inuk”) e encontrado na Gronelândia. Como os autores escrevem, este trabalho é um teste directo ao potencial da genómica com base em DNA antigo para o conhecimento sobre culturas extintas. As condições excepcionais de preservação oferecidas pelo permafrost árctico, e o tecido escolhido para recolher DNA (cabelo) contribuíram para o sucesso da empresa. Em contraste com os treze anos da sequenciação do genoma humano, a sequenciação de “Inuk” demorou dois meses e meio.

Este trabalho permitiu obter informação arqueologicamente relevante sobre este individuo em particular e sobre a sua cultura. Para além da datação por radiocarbono, a análise dos isótopos de carbono e nitrogénio revelou uma dieta rica em recursos marinhos. No genoma, os autores estudaram SNPs - leia-se “snips” – abreviatura de single nucleotide polymorphism, no genoma de “Inuk”. Tratam-se de variações numa sequência de DNA (comparando com outra sequência) em que existe uma diferença num único nucleótido (p.ex. ACTTGTCA e ACTCGTCA). Em “Inuk” foram identificados 353.151 destas variações. Comparando cada uma destas variações com as que ocorrem (ou não) na mesma região de DNA em populações actuais de Inuit, Nativos Norte-Americanos e povos do Norte Asiático, os autores sugerem que os antecessores de Inuk (e porventura da cultura Saqqaq) teriam provindo do leste da Sibéria.

from Lambert D and Huynen L. 2010. Face of the past reconstructed. Nature 463: 757-762.

Estes SNPs podem ocorrer em qualquer sítio ao longo dos 3 biliões de pares de bases que constituem o genoma humano. Quando estes SNPs ocorrem em partes do DNA que codificam proteínas (genes) podem alterar as características físicas do individuo que possua aquela variante (alelo) em particular. Com base no que ainda pouco se sabe sobre o efeito de SNPs em certos genes, os autores determinaram que este individuo, para além de ser do sexo masculino, era do grupo sanguíneo A+, tinha olhos castanhos, cabelo escuro e grosso, propensão para calvície, pele relativamente escura, dentes em forma de pá, cera de ouvido seca, e o seu metabolismo e massa corporal estavam adaptados a climas frios.

Convém frisar que os autores deste estudo descrevem os métodos inovadores usados para se certificarem que a informação obtida não resulta de contaminações com DNA moderno (sempre presente nestes estudos, facto que neste caso não só não foi ignorado como foi inclusivamente quantificado em 0,8%). E que as análises foram independentemente replicadas na Dinamarca, na Califórnia e no Reino Unido. Voltarei a isto quando falar da mediatizada análise genética de Tutankhamon.

A titulo de curiosidade, uma das autoras do artigo da Nature e investigadora no grupo de Willerslev, é a Portuguesa Paula Campos.

[1] – Rasmussen M et al. 2010. Ancient human genome sequence of an extinct Palaeo-Eskimo. Nature 463: 757-762.
[2]- Medini D. et al. 2008. Microbiology in the post-genomic era. Nature Reviews Microbiology 6: 419-430.
[3] – Mardis E. 2008. The impact of next-generation sequencing technology on genetics. Trends in Genetics 24: 133-141.
[4] – Schuster S. 2008. Next generation sequencing transform’s today’s biology. Nature Methods 5:16-18.

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

O Mesolítico Online

A arqueóloga Rita Stjerna - mestranda na Universidade de Lisboa - decidiu em boa altura criar dois espaços de divulgação e debate de temáticas relacionadas com a Arqueologia Funerária durante o Mesolítico. Aqui ficam os links:

http://sites.google.com/a/campus.ul.pt/death-in-the-mesolithic/

http://deathinthemesolithic.blogspot.com/

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Exemplo de interdisciplinaridade

"Apesar de não termos provas directas da utilização do arado até que estes surgem no registo, já no I milénio ANE, os estudos do padrão de sacrifício e a presença de determinadas patologias ósseas entre os animais velhos parece indicar que o gado bovino era utilizado como força de trabalho desde c. 3300 ANE.[p. 200]"
Buxó, R. e Piqué, R. (2008) - Arqueobotánica. Los usos de las plantas en la Peninsula Ibérica. Ariel.

Esta citação que traduzi não transmite qualquer novidade mas é uma demonstração de como os estudos de arqueociências devem ser considerados mais do que meros anexos a relatórios e artigos. A integração dos dados e o trabalho conjunto podem conduzir a interpretações interessantes, talvez mais reveladoras das realidades do passado.

Já agora, peço desculpa pelo uso de ANE mas mantive-me fiel ao texto original...

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010